sexta-feira, 8 de abril de 2011

FILOSOFIA

Aristóteles e o papel da razão

Nada está no intelecto antes de ter passado pelos sentidos

Josué Cândido da Silva*
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
Apesar de ter sido discípulo de Platão durante vinte anos, Aristóteles (384-322 a.C.) diverge profundamente de seu mestre em sua teoria do conhecimento. Isso pode ser atribuído, em parte, ao profundo interesse de Aristóteles pela natureza (ele realizou grandes progressos em biologia e física), sem descuidar dos assuntos humanos, como a ética e a política.

Para Aristóteles, o dualismo platônico entre mundo sensível e mundo das ideias era um artifício dispensável para responder à pergunta sobre o conhecimento verdadeiro. Nossos pensamentos não surgem do contato de nossa alma com o mundo das ideias, mas da experiência sensível. "Nada está no intelecto sem antes ter passado pelos sentidos", dizia o filósofo.

Isso significa que não posso ter ideia de um teiú sem ter observado um diretamente ou por meio de uma pesquisa científica. Sem isso, "teiú" é apenas uma palavra vazia de significado. Igualmente vazio ficaria nosso intelecto se não fosse preenchido pelas informações que os sentidos nos trazem.

Mas nossa razão não é apenas receptora de informações. Aliás, o que nos distingue como seres racionais é a capacidade de conhecer. E conhecer está ligado à capacidade de entender o que a coisa é no que ela tem de essencial. Por exemplo, se digo que "todos os cavalos são brancos", vou deixar de fora um grande número de animais que poderiam ser considerados cavalos, mas que não são brancos. Por isso, ser branco não é algo essencial em um cavalo, mas você nunca encontrará um cavalo que não seja mamífero, quadrúpede e herbívoro.

O papel da razão

Conhecer é perceber o que acontece sempre ou frequentemente. As coisas que acontecem de modo esporádico ou ao acaso, como o fato de uma pessoa ser baixa ou alta, ter cabelos castanhos ou escuros, nada disso é essencial. Aristóteles chama essas características de acidentes.

O erro dos sofistas (e de muita gente ainda hoje) é o de tomar algo acidental como sendo a essência. Através desse artifício, diziam que não se pode determinar quem é Sócrates, porque se Sócrates é músico, então não é filósofo, se é filósofo, então não é músico. Ora, Sócrates pode ser várias coisas sem que isso mude sua essência, ou seja, o fato de ser um animal racional como todos nós.

Mas como nós fazemos para conhecer a definição de algo e separar a essência dos acidentes? Aí está o papel da razão.

A razão abstrai, ou seja, classifica, separa e organiza os objetos segundo critérios. Observando os insetos, percebo que eles são muito diferentes uns dos outros, mas será que existe algo que todos tenham em comum que me permita classificar uma barata, um besouro ou um gafanhoto como insetos? Sim, há: todos têm seis pernas. Se abstrairmos mais um pouco, perceberemos que os insetos são animais, como os peixes, as aves...

Ato ou potência

E poderíamos ir mais longe, separando o que é ser, do que não é. E aqui chegamos à outra grande contribuição de Aristóteles: se o ser é e o não-ser não é, como dizia Parmênides, então como é possível o movimento?

Segundo Aristóteles, as coisas podem estar em ato ou em potência. Por exemplo, uma semente é uma árvore em potência, mas não em ato. Quando germina, a semente torna-se árvore em ato. O movimento é a passagem do ato à potência e da potência ao ato.

Qual a causa?

Por outro lado, se as coisas mudassem completamente ao acaso, não poderíamos conhecê-las. Conhecer é saber qual a causa de algo. Se tenho uma dor de estômago, mas não sei a causa, também não posso tratar-me. Conhecendo a causa é possível saber não só o que a coisa é, mas o que se tornará no futuro. Pois, se determinado efeito se segue sempre de uma determinada causa, então podemos estabelecer leis e regras, tal como se opera nos vários ramos da ciência.

Existem quatro tipos de causas: a causa final, a causa eficiente, a causa formal e a causa material. Por exemplo, se examinarmos uma estátua, o mármore é a causa material, a causa eficiente é o escultor, a causa formal é o modelo que serviu de base para escultura e a causa final é o propósito, que pode ser vender a obra ou enfeitar a praça.

Há uma hierarquia entre as causas, sendo a causa final a mais importante. A ciência que estuda as causas últimas de tudo é chamada de filosofia. Por isso, a tradição costuma situar a filosofia como a ciência mais elevada ou mãe de todas as ciências, por ser o ramo do conhecimento que estuda as questões mais gerais e abstratas.
 

Conhecer o mundo

Mitologia, religião, ciência, filosofia, senso comum

Antonio Carlos Olivieri*
Da Página 3 Pedagogia & Comunicação
Há muitos modos de se conhecer o mundo, que dependem da situação do sujeito diante do objeto do conhecimento. Ao olhar as estrelas no céu noturno, um índio caiapó as enxerga a partir de um ponto de vista bastante diferente do de um astrônomo.
O caiapó vê nas estrelas as fogueiras que alguns de seus deuses acendem no céu para tornar a noite mais clara. O cientista vê astros que têm luz própria e que formam uma galáxia. O índio compreende e conhece as estrelas a partir de um ponto de vista mitológico ou religioso. O astrônomo as compreende e conhece a partir de um ponto de vista científico.
A mitologia, a religião e a ciência são formas de conhecer o mundo. São modos do conhecimento, assim como o senso comum, a filosofia e a arte. Todos eles são formas de conhecimento, pois cada um, a seu modo, desvenda os segredos do mundo, explicando-o ou atribuindo-lhe um sentido. Vamos examinar mais de perto cada uma dessas formas de conhecimento.

O mito e a religião

O mito proporciona um conhecimento que explica o mundo a partir da ação de entidades - ou seja, forças, energias, criaturas, personagens - que estão além do mundo natural, que o transcendem, que são sobrenaturais.
Veja, por exemplo, o mito através do qual os antigos gregos explicavam a origem do mundo:
No princípio era o Caos, o Vazio primordial, vasto abismo insondável, como um imenso mar, denso e profundo, onde nada podia existir. Dessa oca imensidão sem onde nem quando, de um modo inexplicável e incompreensível, emergiram a Noite negra e a Morte impenetrável. Da muda união desses dois entes tenebrosos, no leito infinito do vácuo, nasceu uma entidade de natureza oposta à deles, o Amor, que surgiu cintilando dentro de um ovo incandescente.
Ao ser posto no regaço do Caos, sua casca resfriou e se partiu em duas metades que se transformaram no Céu e na Terra, casal que jazia no espaço, espiando-se em deslumbramento mútuo, empapuçados de amor. Então, o Céu cobriu e fecundou a Terra, fazendo-a gerar muitos filhos que passaram a habitar o vasto corpo da própria mãe, aconchegante e hospitaleiro.

Assim como o mito, a religião, ou melhor, as religiões também apresentam uma explicação sobrenatural para o mundo. Para aderir a uma religião, é obrigatório crer ou ter fé nessa explicação. Além disso, é uma parte fundamental da crença religiosa a fé em que essa explicação sobrenatural proporciona ao homem uma garantia de salvação, bem como prescreve maneiras ou técnicas de obter e conservar essa garantia, que são os ritos, os sacramentos e as orações.
Antes de seguir em frente, convém esclarecer que não vem ao caso discutir aqui a validade do conhecimento religioso. Em matéria de provas objetivas, se a religião não tem como provar a existência de Deus, a ciência também não tem como provar a Sua inexistência. E, a propósito disso, vale a pena apresentar uma outra narrativa filosófica:
Certa vez, um cosmonauta e um neurologista russos discutiam sobre religião. O neurologista era cristão, e o cosmonauta não. “Já estive várias vezes no espaço”, gabou-se o cosmonauta, “e nunca vi nem Deus, nem anjos”. “E eu já operei muitos cérebros inteligentes”, respondeu o neurologista, “e também nunca vi um pensamento”.
O mundo de Sofia, Jostein Gaardner, Cia. das Letras, 1995


A ciência

A ciência procura descobrir como a natureza "funciona", considerando, principalmente, as relações de causa e efeito. Nesse sentido, pretende buscar o conhecimento objetivo, isto é, que se baseia nas características do objeto, com interferência mínima do sujeito. Veja, por exemplo, a seguinte descrição científica:
O coração é um músculo oco, em forma de cone achatado com a base virada para cima e a ponta voltada para baixo, do tamanho aproximado de um punho fechado. O músculo cardíaco é chamado de miocárdio. Sua superfície interna é recoberta por uma membrana delgada, o endocárdio. Sua superfície externa tem um invólucro fibro-seroso, o pericárdio.
Grande Enciclopédia Larousse Cultural, 1998

Quando se fala em "mínima interferência do sujeito", quer se dizer que a descrição de coração proposta acima é válida independentemente do estudioso de anatomia que a formulou.
A definição tradicional de ciência pressupõe que ela seja um modo de conhecimento com absoluta garantia de validade. A ciência moderna já não tem a pretensão ao absoluto, mas ao máximo grau de certeza.
Quanto à garantia de validade, ela pode consistir:

  • Na descrição, conforme o exemplo acima;

  • Na demonstração, como no caso de um teorema matemático;

  • Na corrigibilidade, ou seja, na possibilidade de corrigir noções e conceitos, a partir dos avanços da própria ciência.
    Finalmente, é importante esclarecer que a aplicação da ciência resulta na tecnologia, ou no conhecimento tecnológico.

    O senso comum

    O senso comum ou conhecimento espontâneo é a primeira compreensão do mundo, baseada na opinião, que não inclui nenhuma garantia da própria validade. Para alguns filósofos, o senso comum designa as crenças tradicionais do gênero humano, aquilo em que a maioria dos homens acredita ou devem acreditar.
    A mais completa tradução do senso comum talvez sejam os ditados populares. A título de exemplo, eis alguns:

  • "Cada cabeça, uma sentença."

  • "Quem desdenha quer comprar."

  • "Quem ri por último ri melhor."

  • "A pressa é a inimiga da perfeição."

  • "Se conselho fosse bom, não era dado de graça."

    A filosofia

    Para Platão, a filosofia é o uso do saber em proveito do homem. Isso implica a posse ou aquisição de um conhecimento que seja, ao mesmo tempo, o mais válido e o mais amplo possível; e também o uso desse conhecimento em benefício do homem. Essa definição, porém, exige a uma definição de benefício, que por sua vez exige uma definição de Bem. Para saber o que é o Bem, entretanto, também é necessário descobrir o que é a Verdade.
    Alguns filósofos, definem a filosofia como a busca do Bem, da Verdade, do Belo e de como os homens podem conhecer essas três entidades. Portanto, a filosofia toma para si a árdua tarefa de debater problemas ou especular sobre problemas que ainda não estão abertos aos métodos científicos: o bem e o mal, o belo e o feio, a ordem e a liberdade, a vida e a morte.
    Vamos a um exemplo de texto filosófico, em que um filósofo norte-americano, John Dewey, procura refletir justamente sobre o que é senso comum:
    Visto que os problemas e as indagações em torno do senso comum dizem respeito às interações entre os seres vivos e o ambiente, com o fim de realizar objetos de uso e de fruição, os símbolos empregados são determinados pela cultura corrente de um grupo social. Eles formam um sistema, mas trata-se de um sistema de caráter mais prático que intelectual. Esse sistema é constituído por tradições, profissões, técnicas, interesses e instituições estabelecidas no grupo. As significações que o compõem são efeito da linguagem cotidiana comum, com a qual os membros do grupo se intercomunicam.
    Lógica, VI, 6, J. Dewey

    Tradicionalmente, a filosofia se divide em cinco áreas:

    • Lógica, que estuda o método ideal de pensar e investigar;
    • Metafísica, que estuda a natureza do Ser (ontologia), da mente (psicologia filosófica) e das relações entre a mente e o ser no processo do conhecimento (epistemologia);
    • Ética, que estuda o Bem, o comportamento ideal para o ser humano;
    • Política, que estuda a organização social do homem;
    • Estética, que estuda a beleza e que pode ser chamada de filosofia da Arte.

    Convém concluir lembrando que a ciência e o pensamento científico se originaram com a filosofia na Grécia da Antigüidade. Com o passar do tempo, certas áreas da especulação filosófica, como a matemática, a física e a biologia ganharam tal especificidade que se separaram da filosofia.

    A arte

    O conhecimento proporcionado pela arte não nos dá o conhecimento objetivo de uma coisa qualquer, mas o de um modo particular de compreendê-la, um modo que traduz a sensibilidade do artista. Trata-se, portanto, de um conhecimento produzido pelo sujeito e pela subjetividade.
    Veja por exemplo o seguinte soneto, escrito pelo poeta bahiano do século 17, Gregório de Matos, no qual ele dá a sua "visão" do braço de uma imagem do Menino Jesus que havia sido quebrada por holandeses protestantes, quando da invasão da cidade de Salvador:
    O todo sem a parte não é todo;
    A parte sem o todo não é parte;
    Mas se a parte o faz todo, sendo parte,
    Não se diga que é parte, sendo o todo.
    Em todo sacramento está Deus todo,
    E todo assiste inteiro em qualquer parte,
    E feito em partes todo em toda a parte
    Em qualquer parte sempre fica todo.

    O braço de Jesus não seja parte,
    Pois que feito Jesus em partes todo,
    Assiste cada parte em sua parte.
    Não se sabendo parte deste todo,
    Um braço que lhe acharam, sendo parte,
    Nos diz as partes todas deste todo.



  • Ditadura

    A ditadura na Roma antiga e nos dias atuais

    Antonio Carlos Olivieri*
    Da Página 3 - Pedagogia & Comunicação
    O conceito de ditadura se origina Roma antiga. Em latim, a palavra era "dictatura". Entretanto, o significado moderno do conceito é completamente diferente da instituição que ele designava na Antigüidade. De qualquer modo, uma comparação entre ditadura antiga e moderna pode ajudar a compreender melhor o sentido que o termo adquiriu nos dias de hoje.

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    reprodução
    Júlio César

    Para começar, a ditadura romana era uma instituição de caráter extraordinário. Só era ativada em circunstâncias excepcionais, para fazer frente a situações de emergência, como uma crise interna ou uma guerra. O ditador era nomeado por um ou pelos dois cônsules - os chefes do governo romano -, de acordo com o senado e por processos definidos constitucionalmente. Da mesma maneira, também eram definidos os limites de sua atuação.

    Ainda assim, os poderes do ditador eram muito amplos e seus decretos - o que ele "ditava" (e vem daí "ditadura") - tinham o valor de lei. Apesar disso, seus poderes não eram ilimitados: o ditador não podia revogar ou mudar a Constituição, declarar guerra, criar novos impostos para os cidadãos romanos, nem exercer o papel de juiz nos casos de direito civil. Finalmente, a ditadura tinha sua duração explicitamente fixada: não podia durar mais de seis meses.

    Um poder sem limites

    Atualmente, a expressão ditadura serve para designar os regimes de governo não-democráticos ou antidemocráticos, isto é, aqueles onde não há participação popular, ou onde isso ocorre de maneira muito restrita. Nesse sentido, de igual à ditadura romana, ela só apresenta uma coisa: a concentração de poder nas mãos do ditador. Além disso, a ditadura moderna não é autorizada por regras constitucionais: ela se impõe de fato, pela força, subvertendo a ordem política que existia anteriormente.

    Para piorar, a extensão do poder do ditador não está determinado pela Constituição nem sofre qualquer tipo de limites. Sua duração não está prevista de modo algum e pode se estender por décadas. No Brasil, por exemplo, a última ditadura foi de 1964 a 1985. Na Espanha, o general Francisco Franco tomou o governo em 1936 e só o deixou quando morreu, em 1975, numa ditadura que durou cerca de 40 anos. Em Cuba, hoje, o ditador Fidel Castro já completou 46 anos no poder. <> <>
    Folha Imagem
    O ditador Fidel Castro


    A ditadura moderna implica, antes de mais nada, a concentração de poder. Em geral, num órgão já existente do Estado (via de regra, o poder Executivo). Estende também o poder além dos limites normais, por exemplo, suspendendo os direitos dos cidadãos. Deixa ainda o poder livre dos freios e dos controles estabelecidos pelas leis. Foi o que aconteceu no Brasil, por exemplo, a partir de 1968, quando o Ato Institucional no. 5, deu imensos poderes ao Executivo, como o de fechar o Legislativo, caso lhe fosse conveniente.

    Por tudo isso, a ditadura moderna tem uma conotação inquestionavelmente negativa. Designa, como já se disse, os regimes não-democráticos ou antidemocráticos. É um contraponto à democracia, na qual o poder se encontra dividido em várias instâncias de poder, equilibrando-se Executivo, Legislativo e Judiciário. Num regime democrático, a transmissão da autoridade política é feita de baixo para cima, através da manifestação popular, via eleições. Na ditadura, além da concentração do poder numa instância exclusiva, a transmissão da autoridade política ocorre de cima para baixo, a partir da decisão do ditador ou dos ditadores.

    Conservadores e revolucionários

    Nos dias de hoje, quanto às finalidades com que são instaladas, podem-se distinguir dois tipos de ditadura: 1) as conservadoras, cuja finalidade é defender o satus quo dos perigos de uma mudança. Esse foi o caso das várias ditaduras militares que se estabeleceram na América Latina nos anos 1960 e 70: Argentina, Brasil, Chile, Uruguai... 2) as revolucionárias, que visam abater ou minar, de forma radical, a velha ordem político-social e introduzir uma ordem nova, como foi o governo instaurado pela Convenção Nacional francesa, em 1793, que pôs fim à monarquia, ou ainda o próprio governo cubano, depois de 1959, que instaurou o socialismo no país.

    Entretanto, existem outros termos usados para denominar regimes não-democráticos. Dentre eles, os mais importantes são despotismo, absolutismo, tirania, autocracia e autoritarismo. No vocabulário comum e mesmo no vocabulário político do dia-a-dia, esses termos são freqüentemente usados como sinônimos. Na filosofia política, porém, podem-se estabelecer distinções entre eles.

    Despotismo

    Despotismo, num primeiro sentido, refere-se ao despotismo oriental, da Antigüidade. Tratava-se do governo monocrático (monos = um só), típico da Ásia e da África e que era oposto à democracia grega. O filósofo Aristóteles o chamava de despótico, comparando-o ao poder que o patrão (em grego, despotes) exerce sobre o escravo.

    Na Idade Moderna, o pensador francês Montesquieu (1689-1755) retomou o conceito, definindo-o como o governo no qual "um, sozinho, sem leis nem freios, arrasta tudo e todos no sabor de suas vontades e de seus caprichos". Na Europa dos séculos 17 e 18, despotismo serviu para designar os regimes de monarquia absolutista, que poderia ser considerado bom ou mal, de acordo com a maneira com que o monarca exerce o poder.

    É nesse sentido que se fala em despotismo esclarecido, no século 18, quando o monarca, embora detenha o poder absoluto, é "instruído por sábios conselheiros sobre a existência das verdadeiras leis, gozando da plenitude de seus poderes para aplicá-las e promover, agindo assim, o bem estar e a felicidade de seus súditos".

    Tanto o despotismo quanto o absolutismo são conceitos que se aplicam a monarquias hereditárias, consideradas legítimas pelos súditos, que integram uma sociedade tradicional. Nela, a participação política da grande maioria da população é nula. A monarquia é vista como a única forma de governo possível, por ter as suas raízes no passado mitológico ou na origem divina.

    Tirania e autocracia

    Tirania era o governo de exceção na Grécia antiga. Assemelhava-se à ditadura moderna, pois nasciam das crises e da desagregação da democracia ou de algum regime político tradicional. O tirano não era um monarca legítimo, mas o chefe de alguma fração política, que impunha pela força o próprio poder a todos os outros partidos. Da mesma forma que os ditadores modernos, os tiranos exerciam um poder arbitrário e ilimitado, recorrendo às armas.

    Ao contrário dos outros termos examinados, autocracia não tem uma conotação histórica precisa. É um termo abstrato que se usa com dois significados principais: um particular e um geral. No particular, ele denota um grau máximo de absolutismo. Uma autocracia é um governo absoluto que detém um poder ilimitado sobre seus súditos. Sob este ponto de vista, um monarca absoluto é um autocrata, mas ele pode não sê-lo, quando divide o poder alguns colaboradores que tenham condições de limitar sua vontade.

    Em seu significado geral, o termo autocracia foi usado por alguns teóricos da política e do direito para designar todo tipo de governo antidemocrático ou não-democrático. Mas, nessa acepção, a palavra não obteve sucesso, nem na linguagem popular nem na linguagem técnica da filosofia ou da ciência política.

    Autoritarismo

    Autoritarismo também é um termo usado para designar todos os regimes que se contrapõem ao democrático. Por outro lado, modernamente, o significado é mais restrito e designa governos fortes que, porém, não chegam a constituir uma ditadura, pois possuem um grau relativamente moderado de mobilização popular e de participação política da sociedade. É o caso do governo de Hugo Chávez na Venezuela contemporânea, onde a oposição ao governo é severamente controlada.

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    Folha Imagem
    A suástica nazista

    Mas o autoritarismo deve ser diferenciado do totalitarismo. Este é o grau máximo de absolutismo nos regimes ditatoriais modernos, em que o Estado exerce total controle da vida dos cidadãos. Eles ocorreram em sistemas como o da Alemanha nazista, sob Hitler, e o da Rússia comunista, sob Stálin, em que a propaganda chegava a convencer o cidadão de que ele existia não para seu próprio benefício, mas para benefício do Estado. O resultado dessas duas ditaduras pode ser medido pelas cerca de 30 milhões de mortes que provocaram ao longo de aproximadamente duas décadas.


    Democracia (1)

    Como e para que se estabelece um governo democrático

    Da Página 3 Pedagogia & Comunicação
    Divulgação/Câmara dos Deputados-Gustavo Bezerra
    Plenário da Câmara dos Deputados do Brasil

    Suponha que você se tornou amigo de um estrangeiro que acabou de chegar ao Brasil para passar as férias. Imagine que, um dia, ele lhe perguntará se o Brasil é uma democracia. O que você iria responder?

    Em princípio, é bem provável que sua resposta seja afirmativa e, de fato, se for assim, ela estará correta. Há cerca de 20 anos, o Brasil é uma democracia, e essa condição foi conquistada pelo nosso próprio povo, que agüentou um governo ditatorial, imposto pelos militares, de 1964 a 1985.

    Mas o que significa dizer que o Brasil é uma democracia? Bem, num primeiro momento, talvez seja possível dizer que o Brasil é uma democracia porque elegemos nossos governantes, porque os direitos dos cidadãos brasileiros são estabelecidos por leis, que também os garantem, porque - ao menos em tese - somos todos iguais perante as leis, porque existe liberdade de imprensa etc.

    Por outro lado, alguém poderia questionar o caráter democrático de nosso país, levando-se em conta nossos altos índices de pobreza e miséria, isto é, o fato de estarmos num país cuja distribuição de renda está esntre as piores do mundo. Além disso, sabemos que há uma diferença muito grande do tratamento que o Estado dedica aos ricos e aos pobres. Isso sem falar na questão da corrupção que - entra governo e sai governo - parece jamais acabar.

    Forma e substância

    Bem, o Brasil é uma democracia, mas isso - por si só - não resolve todos os seus problemas. Para resolvê-los, talvez o primeiro passo fosse justamente aprofundar a compreensão que temos do conceito de democracia. Para isso, em primeiro lugar, é importante estabelecer uma distinção entre os aspectos formais e substanciais de uma democracia.

    O aspecto formal da democracia constitui-se no conjunto das instituições características deste regime político. Entre elas, destacam-se as eleições livres, o voto secreto e universal, a autonomia dos poderes de Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário), a existência de mais de um partido político, e a liberdade de pensamento, expressão e associação. Em outras palavras, estamos nos referindo às regras do "jogo" democrático, ao estabelecimento dos meios pelos quais a democracia é posta em prática.

    Já o aspecto substancial é aquele que se refere aos resultados do processo, aos fins a serem alcançados. Aqui se destaca, em primeiro lugar, a existência efetiva - e não somente em tese - da igualdade jurídica e política dos cidadãos. Ao mesmo tempo, deve-se levar em conta também as desigualdades econômicas, que deveriam ser as menores possíveis.

    Ainda que as pessoas sejam diferentes e integrem grupos sociais diversos, ninguém pode ser privilegiado ou discriminado no tocante a direitos básicos. Todos devem ter a possibilidade de acesso aos bens materiais básicos como moradia, alimentação e saúde, e ainda aos bens culturais, em todos os níveis: educação, profissionalização, lazer, arte, etc.

    Democracia e estado de direito

    Atingir uma democracia substancial, porém, só é possível a partir do momento em que se respeitam as regras do jogo. Nesse sentido, antes de mais nada, a democracia pressupõe a existência de um estado de direito, ou seja, o respeito às leis, das quais a principal é a Constituição do país. Além disso, é fundamental a autonomia dos Poderes legislativo e judiciário. Uma das características do autoritarismo e da ditadura é a submissão dos poderes legislativo e judiciário ao executivo.

    Na época da última ditadura militar no Brasil, a presidência da República emitia atos institucionais e decretos-leis, que não precisavam ser nem debatidos nem aprovados pelo Congresso Nacional. Na verdade, a democracia brasileira ainda não conseguiu se livrar totalmente desse viés autoritário e ainda é constante o recurso às medidas provisórias pelo poder executivo, que temporariamente passam por cima do legislativo.

    Para ser de fato substancial, a democracia não pode permitir a prevalência de um poder executivo sobre os outros e deve estar baseada em uma legislação que realmente atenda ao interesse da sociedade. Ao mesmo tempo, precisa contar com um poder judiciário eficiente e capaz de resistir às pressões, em especial do poder econômico, de modo que qualquer cidadão - rico ou pobre - possa obter justiça.

    O público e o privado

    É particularmente importante observar o respeito à res publica, à coisa pública, que não pode se sujeitar a interesses privados ou particulares. Por isso, o poder político deve ser exercido de modo institucional e não pessoal. Quem está no poder encontra-se nessa posição enquanto representante do povo. Ele não é o dono do poder. Sua posição é transitória e será ocupada também por outras pessoas, pois está estabelecida a rotatividade do exercício do poder.

    Aliás, na democracia, o acesso ao poder se faz de forma ascendente, isto é, de baixo para cima. A maioria da população, a base da sociedade, escolhe seus governantes, contando com os recursos de, no mínimo, dois partidos políticos: o que é governa (após eleito) e o que a ele se opõe, fiscalizando e questionando seus atos, tendo em vista o interesse geral da população.

    De fato, a democracia supõe o consenso, isto é, a aceitação geral das regras estabelecidas após as discussões. Isso, porém, não elimina a existência do dissenso, isto é, a possibilidade de discordar, sempre que necessário. Aliás, uma característica essencial da democracia é a aceitação do confronto ou do conflito, como expressão das opiniões divergentes. Faz parte do processo democrático a conversação e a negociação para solucionar os conflitos.

    Sociedade civil

    Além disso, a multiplicação dos órgãos representativos da sociedade civil - ou seja, de quem não está nas instâncias governamentais - amplia e aprofunda o regime democrático na medida em que ativa as formas de participação popular. É isto que faz da democracia um regime que não tem apenas um único centro, mas cujo poder se irradia de diversas alas da sociedade.

    Nesse sentido, são fundamentais as organizações - ocasionais ou permanentes - que representam interesses de setores da coletividade. É o caso das associações de bairros, dos mutirões, grupos contra a violência, grupos ecológicos, ao lado de outras importantes instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil, a Associação de Imprensa, os partidos políticos, os sindicatos, etc. A difusão de poderes dá condições para o melhor cumprimento da vontade geral, bem como para o controle dos abusos e arbitrariedades. Ao mesmo tempo, colabora com a transparência das ações nas diversas instâncias de poder.


    Democracia (2)

    Participação direta e indireta

    Da Página 3 Pedagogia & Comunicação
    Divulgação/U.S. Senate
    Sessão do Senado norte-americano

    Você já sabe que a democracia é um regime de governo caracterizado pela participação popular. Entretanto, o modo por meio do qual essa participação se dá, permite estabelecer uma diferença entre dois tipos de democracia. Ao menos, assim refletiram os diversos filósofos que, durante o século 18, se debruçaram sobre a questão. Esses dois tipos de democracia são ao mesmo tempo divergentes e complementares.

    Vamos tentar entender o porquê desse paradoxo, mas, antes disso, é preciso ficar mais claro do que estamos falando. Então, quanto ao modo de participação popular, a democracia pode ser:

    • direta: em que todos os indivíduos de uma coletividade manifestam sua opinião sobre os assuntos concernentes a esta mesma coletividade, votando em assembléias ou reuniões coletivas;
    • representativa: em que a coletividade elege representantes a quem delega o poder para tomar as decisões.


    História da democracia

    O regime de governo democrático originou-se em Atenas, na Grécia da Antigüidade, conhecendo seu apogeu no século 5 a.C. Tratava-se precisamente de um regime em que o "povo" se manifestava diretamente, reunindo-se e votando em assembléias, para tomar as decisões a respeito da vida da sua cidade.

    Todo cidadão ateniense tinha não só o direito, como também o dever de participar dessas assembléias. Todos os cidadãos eram iguais perante a lei e tinham o direito não só a votar, como também expressar sua opinião e defender o seu ponto de vista, convencendo outros a votar como ele.

    A princípio, esse pode lhe parecer o melhor dos mundos, mas, a bem da verdade, não era bem assim. Ser um cidadão ateniense não era uma condição de que usufruíam todos os habitantes de Atenas. Naquela sociedade, as mulheres, os escravos e os estrangeiros não eram considerados cidadãos. Por isso, estavam totalmente excluídos das grandes decisões. Desse modo, somente 10% do povo de Atenas estavam aptos a participar da democracia.

    Democracia ateniense

    De qualquer maneira, o simples surgimento do ideal democrático é importantíssimo: tratava-se de um novo valor, que se contrapunha aos regimes de governo anteriores, que, segundo a definição de Aristóteles, são a monarquia (o governo de um só, o rei) e a aristocracia, o governo de um grupo de elite (seja econômica, militar, tecnológica). Ou, trocando em miúdos, em que um ou alguns poucos mandam e aos outros só resta obedecer.

    Apesar da experiência democrática ateniense, os principais filósofos gregos, como Sócrates, Platão e o próprio Aristóteles, viam com certa reserva, quando não com desprezo, a democracia. Bem, no fundo, eles eram sábios e, por isso mesmo, acreditavam que só os sábios deveriam exercer o governo, numa ordem social que poderia ser monárquica ou aristocrática...

    Democracia na modernidade

    Historicamente, depois da Grécia e de Roma, as idéias democráticas só irão reaparecer com maior força na Idade Moderna, a partir dos séculos 17 e 18. Nessa época, os abusos de poder dos monarcas levaram os intelectuais a discutir os poderes absolutos do governante, questionando o que tornava legítimo qualquer poder de qualquer governo. Contra o absolutismo em vigor, ergueu-se o liberalismo.

    As idéias liberais se revoltaram contra a ordem aristocrática que vinha da Idade Média, quando o poder político e a propriedade tinham transmissão hereditária: os herdeiros do rei e dos nobres recebiam não só as terras e os bens de seus antepassados, como também o poder sobre os homens que viviam em suas propriedades.

    O pensamento liberal, ao contrário, estabeleceu uma distinção entre a esfera pública e a privada, entre a sociedade política e a sociedade civil. Para um filósofo liberal, como John Locke, o poder só é exercido com legitimidade se tiver origem parlamentar. O que isso significa? Isso significa que ninguém tem o direito de ocupar um cargo político só porque nasceu numa família nobre.

    Representantes do povo

    O direito ao poder, para Locke, depende de um mandato popular. Nesse sentido, a representação política só adquire legitimidade se tiver surgido da vontade dos cidadãos, expressa pelo voto. Os cidadãos elegem representantes para defender seus interesses junto ao governo.

    Mais uma vez, porém, a representação popular a que se refere o liberalismo dos séculos 17 e 18, não deixava de ser elitista. Abrangia somente os grupos sociais mais favorecidos. O voto era censitário, isto é, dependia de um censo - imposto pago para se obter a condição de eleitor. Com isso, a grande maioria da população estava excluída do processo político e as decisões continuavam restritas àqueles que possuíam renda e propriedades.

    Além da representação

    Ainda no século 18 - enquanto se levantava e valorizava a questão da legitimidade da representação - um outro filósofo, Jean-Jacques Rousseau defendia um novo enfoque para a democracia direta da velha Grécia.

    Para ele, as sociedades humanas são construídas a partir de um pacto ou contrato social. Por meio desse acordo, cada indivíduo aliena seu poder em favor da coletividade. Entretanto, a vontade geral não poderia jamais ser alienada nem representada. Ou seja, para Rousseau, os deputados e governantes não são representantes do povo, mas apenas seus agentes. Assim, devem estar subordinados à soberania popular, que toma decisões por meio de assembléias, plebiscitos e referendos.

    Vontade geral é o conceito básico para compreender como Rousseau encarava a democracia. No seu modo de ver as coisas, todo indivíduo é - ao mesmo tempo - uma pessoa privada e uma pessoa pública (cidadão): enquanto pessoa privada, ela trata de seus interesses particulares; enquanto pessoa pública faz parte de um corpo coletivo que tem interesses comuns.

    Problemas e conflitos

    Mas nem sempre o interesse de um coincide com o de outro, pois muitas vezes o que beneficia uma pessoa em particular pode ser prejudicial ao interesse coletivo. Nesses termos, aprender a ser cidadão é justamente saber distinguir qual é a vontade geral, típica do interesse de todos, mesmo que à revelia dos seus próprios interesses enquanto pessoa particular.

    Rousseau não era ingênuo a ponto de desconhecer as dificuldades de implantação de uma democracia direta, sobretudo em nações de território extenso e grande densidade populacional. No mundo de hoje, de fato, ela parece inviável. Imagine que fosse necessário colher a opinião de cerca de 120 milhões de brasileiros cada vez que uma decisão governamental tivesse de ser tomada...

    Tentativa e erro

    Por outro lado, alguns instrumentos da democracia direta - como os plebiscitos e os referendos - são muitas vezes fundamentais para a vontade da maioria prevalecer sobre os interesses minoritários. Para haver participação popular no exercício do poder, contudo, é necessário que os cidadãos sejam politizados: saibam o que querem ou do que precisam e conheçam aqueles que agirão a bem do interesse comum.

    Caso contrário, a manipulação, a corrupção e o jogo de interesses acabam transformando a maioria da população numa massa de manobras, que agirá em detrimento de seus próprios interesses e necessidades. Na verdade, a cidadania e a democracia se aprendem no seu próprio exercício. Como dizia Aristóteles, "só construindo podemos nos tornar mestres de obra". É um processo de tentativa e erro, no qual os brasileiros, por sinal, parecem ter errado mais do que acertado nos últimos anos... De qualquer modo, a única alternativa é continuar tentando.


    Filosofia antiga (1)

    Quadro relaciona os principais filósofos da Antigüidade

    Da Página 3 Pedagogia & Comunicação
    Pré-socráticos
    Nascimento e morte
    Filósofo
    Obra
    c. 624-556 a.C.Tales de MiletoExistem apenas fragmentos de sua obra.
    c. 610-547 a.C.Anaximandro de MiletoFragmentos
    c. 585-528 a.C. Anaxímenes de MiletoFragmentos
    c. 580-497 a.C.PitágorasFragmentos
    c. 570-460 a.C.Xenófanes de ColofãoFragmentos
    c. 540-470 a.C.Heráclito de ÉfesoFragmentos
    c. 515-440 a.C.Parmênides de EléiaFragmentos
    c. 500-428 a.C.AnaxágorasFragmentos
    c. 490-430 a.C.Zenão de EléiaFragmentos
    c. 485-415ProtágorasFragmentos
    Filosofia clássica
    Nascimento e morte
    Filósofo
    Obra
    469-399 a.C.SócratesNão escreveu. Conhecemos suas idéias por meio de Platão.
    427-347 a. C.PlatãoO Banquete; A república, Protágoras, Fédon
    384-322 a. C.AristótelesA Política, Organon, Ética a Nicômano, Retórica
    Filosofia helenística
    Nascimento e morte
    Filósofo
    Obra
    341-270 a.C.EpicuroCartas, Aforismos
    334-262 a. C. Zenão de CícioRepública
    320-230 a.C.Tímon de FlioSátiras, Sobre as Sensações
    106-43 a.C.CíceroDa República, Sobre a Velhice, Sobre o Destino
    99-55 a.C.LucrécioDa Natureza
    4 a.C.-65 d.CSênecaDiálogos, Espístolas Morais, Questões Naturais
    55-135EpíctetoDiscursos, Manual
    121-180Marco AurélioMeditações
    205-270PlotinoEnéadas



    Filosofia antiga (2)

    Panorama dos pré-socráticos ao helenismo

    Heidi Strecker*
    Especial para Página 3 Pedagogia & Comunicação
    Reprodução
    Platão (esq.) e Aristóteles, em detalhe do quadro de Rafaello

    A filosofia é um saber específico e tem uma história que já dura mais de 2.500 anos. A filosofia nasceu na Grécia antiga - costumamos dizer - com os primeiros filósofos, chamados pré-socráticos. Mas a filosofia não é compreendida hoje apenas como um saber específico, mas também como uma atitude em relação ao conhecimento, o que faz com que seus temas, seus conceitos e suas descobertas sejam constantemente retomados.

    A história da filosofia coloca em perspectiva o conhecimento filosófico e apresenta textos e autores que fundamentam nosso conhecimento até hoje.

    A história da filosofia na Antigüidade pode ser dividida em três grandes períodos: o período pré-socrático, a Grécia clássica e a época helenística.

    Pré-socráticos

    Os filósofos que viveram antes da época de Sócrates, como Parmênides e Heráclito, investigaram a origem das coisas e as transformações da natureza. De seus textos só restaram fragmentos. O conhecimento especulativo no período pré-socrático não se distinguia dos outros conhecimentos, como a astronomia, a matemática ou a física.

    Tales de Mileto foi o primeiro pensador que podemos chamar de filósofo. Como outros pré-socráticos, Tales dedicou-se a caracterizar o princípio ou a matéria de que é feito o mundo. Sustentou que este princípio era a água.

    A Grécia clássica

    No período clássico, a filosofia vinculou-se a um momento histórico privilegiado - o da Grécia clássica. Nesse período, que compreende os séculos 5 a.C. e 4 a.C., a civilização grega conheceu seu apogeu, com o esplendor da cidade de Atenas. Essa cidade-estado dominou a Grécia com seu poderio militar e econômico.

    Adotando a democracia como sistema político, Atenas assistiu a um florescimento admirável das ciências e das artes. Foi esse período histórico que deu origem ao pensamento dos três maiores filósofos da Antigüidade: Sócrates, Platão e Aristóteles.

    Sócrates não deixou uma obra escrita, mas conhecemos seu pensamento através das obras de seu discípulo Platão. Este não escreveu uma obra sistemática, organizada de forma lógica e abstrata, mas sim um rico conjunto de textos em forma de diálogo, em que diferentes temas são discutidos. Os diálogos de Platão estão organizados em torno da figura central de seu mestre - Sócrates.

    Platão e Aristóteles

    O conhecimento é resultado do convívio entre homens que discutem de forma livre e cordial. No livro "A República", por exemplo, temos um grupo de amigos que incluem o filósofo Sócrates, dois irmãos de Platão - Glauco e Adimanto - e vários outros personagens, que serão provocados pelo mestre. O diálogo vai tratar de assuntos relacionados à organização da sociedade e à natureza da política. A palavra política vem do grego polis, que significa cidade ou Estado.

    Aristóteles - ao contrário de Platão - criou uma obra sistemática e ordenada. A filosofia aristotélica cobre diversos campos do conhecimento, como a lógica, a retórica, a poética, a metafísica e as diversas ciências. No livro "A Política", Aristóteles entende a ciência política como desdobramento de uma ética, cuja principal formulação encontra-se no livro "Ética a Nicômaco".

    Helenismo

    O período helenístico corresponde ao final do século 3 a.C. (período que se sucede à morte de Alexandre Magno, em 323 a.C.) e se estende, segundo alguns historiadores, até o século 6 d.C. As preocupações filosóficas fundamentais voltam-se para as questões morais, para a definição dos ideais de felicidade e virtude e para o saber prático.

    Filosofia contemporânea (1)

    Principais filósofos contemporâneos

    Da Página 3 Pedagogia & Comunicação
    Século 19
    Nascimento e morte
    Filósofo
    Obra
    1770-1831G.W.F. Hegel Fenomenologia do Espírito, Ciência da Lógica, Lições sobre a Filosofia da História
    1788-1860Arthur SchopenhauerO Mundo como Vontade e Representação
    1798-1857Auguste ComteCurso de Filosofia Positiva
    1813-1855Sören Kierkegaard Temor e Tremor, Diário do Sedutor, Conceito de Angústia
    1818-1883.Karl MarxA Sagrada Família, A Ideologia Alemã, O Capital (com F. Engels)
    1839-1914Charles Sanders Peirce Semiótica e Filosofia
    1842-1910William JamesPrincípios de Psicologia, O Pragmatismo, As Variedades da Experiência Religiosa
    1844-1900Friedrich NietzscheAssim Falava Zaratustra, A Gaia Ciência, Ecce Homo
    Século 20
    Nascimento e morte
    Filósofo
    Obra
    1856-1939Sigmund Freud A Interpretação dos Sonhos, Totem e Tabu, Além do Princípio do Prazer
    1859-1938.Edmund Husserl Investigações Lógicas, Lógica Formal e Lógica Transcendental
    1859-1941Henri Bergson Matéria e Memória, Os Dados Imediatos da Consciência, As Duas Fontes da Moral e da Religião
    1872-1970Bertrand Russell Princípios da Matemática (com Alfred Whitehead), Os Problemas da Filosofia, História da Filosofia Ocidental
    1875-1961Carl G. JungA Dinâmica do Inconsciente, Estudos sobre Psicologia Analítica
    1889-1951Ludwig Wittgenstein Tractatus Logico-philosoficus, Investigações Filosóficas
    1889-1976Martin Heidegger Que É uma Coisa?, O Ser e O Tempo, Que É Filosofia?
    1895-1973Max HorkheimerTeoria Tradicional e Teoria Crítica, Dialética do Iluminismo (com T.W. Adorno)
    1896-1980Jean Piaget A Epistemologia Genética, A Linguagem e o Pensamento na Criança
    1905-1980Jean-Paul Sartre O Ser e o Nada, Crítica da Razão Dialética
    1908-1961Maurice Merleau PontyFenomenologia da Percepção, As Aventuras da Dialética
    1908Claude Lévi-Strauss As Estruturas Elementares do Parentesco, Tristes Trópicos



    Filosofia da ciência

    Karl Popper, falseabilidade e limites da ciência

    Carlos Roberto de Lana*
    Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
    Divulgação/Oxford University Press
    Karl Popper (1902-1994) definiu os limites da atividade científica

    Karl Popper nasceu em 1902, praticamente junto com o século 20. Nessa época, a ciência parecia ter atingido o auge do prestígio. A revolução industrial iniciada na Inglaterra do século 18 se fundamentou na divisão e organização do trabalho e nas novas tecnologias que aproveitaram as possibilidades abertas pela ciência determinista de sir Isaac Newton.

    A utilização maciça das aplicações técnicas do conhecimento científico produziu um período de progresso material acelerado, no qual a humanidade avançou mais em dois séculos neste campo do que nos quatro mil anos anteriores.

    Esse progresso acelerado colocou o conhecimento científico numa posição de destaque, que, no século 19, culminou no cientificismo, a crença de que tudo poderia ser explicado pela ciência, que deveria ser colocada acima de todos os outros modos do saber.

    Supervalorização da ciência

    Essa combinação de fatores sócio-históricos gerou grandes distorções, como o fato de a ciência, tornada laica pelo iluminismo europeu, ganhar status religioso em doutrinas como o positivismo e outras, durante o século 19 e início do 20.

    É neste ambiente de supervalorização do progresso científico e de deturpação da natureza original da ciência que surge Karl Popper, que se tornaria o mais influente e respeitado filósofo da ciência entre os homens que a fazem nos dias de hoje. Austríaco de nascimento e britânico por opção, Popper é o autor da definição atualmente mais aceita de teoria científica:

    "Uma teoria científica é um modelo matemático que descreve e codifica as observações que fazemos. Assim, uma boa teoria deverá descrever uma vasta série de fenômenos com base em alguns postulados simples como também deverá ser capaz de fazer previsões claras as quais poderão ser testadas."

    Com esta definição, a simplicidade e a clareza voltavam a ser virtudes identificadoras da boa ciência, que assim se separa das mistificações que nos dois séculos anteriores tentaram pegar carona em seu prestígio.

    Observação e teorização

    Popper defendeu que, se a ciência se baseia na observação e teorização, só se podem tirar conclusões sobre o que foi observado, nunca sobre o que não foi.

    Assim, se um cientista observa milhares de cisnes, em muitos lugares diferentes e verifica que todos os cisnes observados são brancos, isto não lhe permite afirmar cientificamente que todos os cisnes são brancos, pois, não importa quantos cisnes brancos tenham sido observados, basta o surgimento de um único cisne negro para derrubar a afirmação de que eles não existiriam.

    Assim, qualquer afirmação científica baseada em observação jamais poderá ser considerada uma verdade absoluta ou definitiva.

    Uma teoria científica, no máximo, pode ser considerada válida até quando provada falsa por outras observações, testes e teorias, mais abrangentes ou exatos que a original.

    Falseabilidade

    A possibilidade de uma teoria ser refutada constituía para o filósofo a própria essência da natureza científica. Assim, uma teoria só pode ser considerada científica quando é falseável, ou seja, quando é possível prová-la falsa. Esse conceito ficou conhecido como falseabilidade ou refutabilidade.

    Segundo Popper, o que não é falseável ou refutável não pode ser considerado científico. As teorias da gravitação universal de sir Isaac Newton são científicas, por que além de se enquadrarem na definição ao propor equações simples que descrevem os modelos cósmicos gravitacionais, também é possível se fazer previsões acertadas com base nelas.

    E as teorias de Newton também são falseáveis. Tanto que o foram, quando Albert Einstein com sua Teoria da Relatividade demonstrou que a mecânica newtoniana não era válida em velocidades próximas à da luz.

    Teoria da relatividade

    O clássico experimento do eclipse, no qual Einstein provou que a luz era afetada pelos campos gravitacionais e o experimento posterior, que provou que cronômetros de altíssima precisão postos em alta velocidade em relação à Terra apresentavam pequenos atrasos quando comparados a cronômetro idêntico mantido imóvel na superfície, trouxe a ciência aos novos tempos em que o tempo não mais era absoluto.

    Mesmo assim, as teorias de Newton continuam válidas para a maioria das aplicações cotidianas, quando a influência da velocidade pode ser considerada desprezível para as aplicações práticas. A ciência mais uma vez mostrava seu poder de se renovar e melhorar a partir de suas próprias definições.

    Por outro lado, seguindo as definições e o conceito da falseabilidade de Popper, a astrologia de horóscopo moderna não pode ser considerada científica.

    Todo o gigantesco arcabouço da mecânica newtoniana, o mais prestigiado modelo científico de todos os tempos, foi falseado por dois experimentos simples e uma equação magistral (E = mC2).

    Mas não existem experimentos possíveis que possam falsear a teoria de que a posição de determinados corpos celestes afetam a vida de pessoas nascidas em determinado período de determinada forma.

    A abrangência das previsões e a falta de um modelo simples e claro que as expliquem tornam a astrologia de horóscopo não falseável e, portanto, não científica.

    Limites da ciência

    Com Popper, os limites da ciência se definem claramente. A ciência produz teorias falseáveis, que serão válidas enquanto não refutadas. Por este modelo, não há como a ciência tratar de assuntos do domínio da religião, que tem suas doutrinas como verdades eternas ou da filosofia, que busca verdades absolutas.

    O melhor no velho filósofo, que se opôs ao nazismo e dedicou sua vida à defesa de boas causas, é que suas teorias se aplicam a elas próprias. Assim, se amanhã alguém redigir uma melhor definição de teoria científica, as idéias de Popper humildemente sairão de cena para tomar seu lugar na história da ciência.

    Entre as muitas virtudes que nossa ciência adquiriu dos grandes sábios que lhe deram grandeza, Popper nos mostrou uma ciência que se faz grande na virtude da humildade.


    Filosofia da existência

    Heidegger, medo e angústia

    Josué Cândido da Silva*
    Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
    Reprodução
    Se vamos morrer, que sentido tem estarmos vivos? (Caveira, de Andy Wharol)

    Qual o sentido da vida? É difícil encontrar uma pessoa que, pelo menos uma vez, já não fez essa pergunta. Ela revela algo importante sobre nós, seres humanos. Primeiro, que temos consciência de estar vivos e de que vamos morrer algum dia. Segundo, que isso deve ter algum sentido, ou seja, um sentido propriamente humano.

    Biologicamente, o sentido da vida é passar os genes para frente: vivemos enquanto indivíduos para garantir a continuidade da espécie como um todo. Mas esse sentido biológico não nos satisfaz. Imaginamos que possa haver algo além da satisfação de nossas necessidades vitais. Pois a satisfação das necessidades é um meio para nos mantermos vivos não a finalidade ou sentido da vida.

    Como disse o filósofo Heráclito de Éfeso (540 - 470 a.C.) "se a felicidade estivesse nos prazeres do corpo, diríamos felizes os bois, quando encontram ervilhas para comer". Os bois vivem o momento, para eles não existe um passado nem um futuro, pois para ter passado e futuro é preciso haver um sentido.

    A morte

    Podemos igualmente viver como bois ou atribuir um sentido para existência. Isto é, pensá-la como um projeto, com uma parte por realizar que é condicionada pelo que já se fez e pelo nosso ser-no-mundo, nossa situação concreta. A dimensão do tempo só aparece quando percebo a minha finitude, que eu sou um ser-para-morte. Saber que se vai morrer é o que desperta a questão do sentido, pois se vamos morrer, que sentido tem estar vivo?

    A morte pode despertar em nós dois sentimentos distintos: o medo e a angústia. O medo nos faz não pensar na morte, não nos enfrentarmos com o problema, adiá-lo, esquecê-lo. Mergulhamos em ocupações, em falações, até conversamos sobre a morte de outros, mas não da nossa.

    Segundo o filósofo Martin Heidegger (1889-1976), o medo nos convida a viver na impropriedade, não atribuímos sentido, deixamos que os outros e as circunstâncias o atribuam, nos alienamos de nós mesmos, vivemos sempre correndo, com nossas agendas cheias de distrações que nos ocupam. Vivemos num sentido impróprio que não aponta em direção alguma, como uma finalidade sem fim.

    A angústia

    Por que nos esforçamos por ser belos, ter dinheiro, possuir coisas? Claro, tudo isso pode fazer sentido, mas como meio, não como fim em si mesmo. Na verdade, são na maioria dos casos "sentidos emprestados", na falta de um sentido que seja próprio.

    Se o medo da morte me lança na impropriedade, a angústia produz o efeito contrário, ela abre a inospitalidade do mundo, para sensação de "ficar sem chão". A angústia me revela uma compreensão do meu morrer, que sou singular. Percebo que não posso escapar da convocação que a angústia me faz de viver na propriedade. Ou seja, a possibilidade de ser eu mesmo.

    Meu próprio tempo

    Sou um tempo que se esgota e só tenho essa existência para ser quem sou. Percebo que sou o meu próprio tempo, não o tempo dos relógios, sempre regular e homogêneo. Mas um tempo finito em que o presente só faz sentido em relação a um futuro, a um projetar-se que me revela como realizador de minha própria história, que realiza um sentido que eu mesmo escolhi como minha marca pessoal na história da humanidade.

    Heidegger não estabelece um juízo de valor de que seria melhor viver na autenticidade do que na impropriedade. Ambas são possibilidades de ser. Em qualquer momento da vida posso passar de uma a outra e vice-versa. Posso eleger um dos sentidos já prontos ou construir o meu. A vida em si não tem sentido, somos nós que atribuímos um sentido para ela.
     

    Filosofia da linguagem (1)

    Da Torre de Babel a Chomsky

    Josué Cândido da Silva*
    Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
    Divulgação/FSM
    O lingüista Noam Chomsky
    O surgimento da linguagem é um fato fundamental na história humana. Não seria possível a organização dos seres humanos em sociedade sem a linguagem e vice-versa. Isso indica que a linguagem e a vida em sociedade devem ter surgido praticamente ao mesmo tempo. É difícil determinar qual a origem da linguagem, pois não há muitas pistas a seguir.

    As primeiras explicações sobre a origem da linguagem têm seus fundamentos na religião. Deus teria dado a Adão uma língua e a capacidade de nomear tudo o que existe. Haveria apenas uma língua, em que cada palavra teria apenas um significado. Mas como explicar a diversidade das línguas?

    Torre de Babel

    Na Bíblia, o Gênesis conta que "o mundo inteiro falava a mesma língua, com as mesmas palavras" (Gn 11,1). Os homens resolveram, porém, criar uma cidade com uma torre tão alta que chegaria a tocar o céu e os tornaria famosos e poderosos. Então Deus, para castigá-los, fez com que ninguém mais se entendesse e os homens passaram a falar línguas diferentes.

    Assim, os construtores da torre se dispersaram e a obra permaneceu inacabada. A diversidade das línguas surge como forma de evitar a centralização do poder. A cidade dessa história bíblica ficou conhecida como Babel, que significa "confusão".

    Rousseau e o 'grito da natureza'

    O filósofo Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) supôs que a linguagem humana teria evoluído gradualmente, a partir da necessidade de exprimir os sentimentos, até formas mais complexas e abstratas. Para Rousseau, a primeira linguagem do homem foi o "grito da natureza", que era usado pelos primeiros homens para implorar socorro no perigo ou como alívio de dores violentas, mas não era de uso comum.

    A linguagem propriamente dita só teria começado "quando as idéias dos homens começaram a estender-se e a multiplicar-se, e se estabeleceu entre eles uma comunicação mais íntima, procuraram sinais mais numerosos e uma língua mais extensa; multiplicaram as inflexões de voz e juntaram-lhes gestos que, por sua natureza, são mais expressivos e cujo sentido depende menos de uma determinação anterior". (Jean Jacques Rousseau, "Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens").

    Já o filósofo e psicólogo americano George Herbert Mead (1863-1931), contrariamente a Rousseau, afirmava que a linguagem gestual precedeu a linguagem falada. A necessidade de combinarem certos gestos para coordenarem suas ações durante as caçadas ou fugas de outros animais levou os homens a desenvolverem certos gestos comuns que se repetiam.

    Mead e a experiência comum

    Nesse processo, a comunicação se torna possível pelo fato dos indivíduos adotarem o mesmo significado para um gesto evocando uma vivência anterior do próprio indivíduo. Segundo Mead, quando o gesto chega a essa situação, converte-se no que chamamos de "linguagem", ou seja, um símbolo significante que representa certo significado.

    Com o passar do tempo, esse conjunto de gestos significantes dá lugar a formas mais elaboradas de linguagem, compondo um universo de discurso. Nesse estágio, o sentido já não é articulado apenas tendo por base a interiorização das expectativas de ação do outro. Há uma sofisticação da comunicação, que se torna possível pelo fato dos indivíduos adotarem o mesmo significado para o objeto dentro deste universo de discurso.

    "Esse universo de discurso é constituído por um grupo de indivíduos que conduz e participa de um processo social comum de experiência e comportamento, e no qual esses gestos ou símbolos significantes têm a mesma significação, ou uma significação comum para todos os membros do grupo... Um universo de discurso é simplesmente um sistema de significados comuns ou sociais." (Mead, G., "Mind, Self and Society").

    Portanto, a forma como o indivíduo organiza sua experiência é determinada em grande parte pelo universo de discurso ao qual ele pertence e conforma seu imaginário social e as formas de simbolização de sua experiência. Mas será que os limites da minha linguagem e da minha cultura são também os limites para pensar e significar a realidade?

    Será que existem línguas mais apropriadas ao filosofar como o grego ou o alemão, por exemplo? Ou existiriam estruturas de pensamento universais independentes da cultura e da linguagem?

    Noam Chomsky

    Uma sugestiva contribuição sobre esse tema foi elaborada pelo lingüista e ativista político americano Noam Chomsky (nascido em 1928), que revolucionou a lingüística ao introduzir a relação entre o pensamento e a linguagem. Para Chomsky, a criança disporia de pouca informação da língua para aprender como a linguagem funciona. Ainda mais, se considerarmos que além de contarem com poucos estímulos, os adultos, muitas vezes, não ajudam a criança em seu aprendizado dizendo-lhes coisas sem muito sentido.

    Mesmo assim, a maioria das crianças tem um domínio razoável da língua por volta dos dois anos de idade. Se considerarmos que a linguagem é um sistema bastante complexo com regras semânticas e sintáticas sutis e que o ambiente para o aprendizado da língua não é suficiente, então o que torna possível o seu aprendizado?

    A explicação estaria na estrutura mental geneticamente determinada, na qual estaria fixado um conjunto de regras gerais para a utilização da linguagem, que são universais por necessidade biológica e não por simples acidente histórico, e que decorrem de características mentais da espécie.

    'Gramática universal'

    Chomsky define o conjunto de princípios e regras que determinam o uso da linguagem como "gramática universal". Trata-se de um sistema de princípios, condições e regras que são elementos ou propriedades de todas as línguas humanas. Esse sistema seria o resultado de um longo processo de evolução biológica, que constituiria a essência da linguagem humana.

    Esta gramática universal seria, portanto, uma estrutura anterior ao aprendizado de qualquer gramática específica, pertencendo a um estágio inicial do cérebro. Ela não se identifica a nenhuma linguagem particular, mas é subjacente a todas as línguas possíveis.

    Se a linguagem é aprendida a partir da interação social e por ela condicionada ou é produto da relação entre o ambiente e as estruturas mentais geneticamente herdadas é algo que ainda não podemos afirmar com certeza. Tal questão permanece guardada como um fascinante segredo sobre sua origem.
     
     

    Filosofia da linguagem (2)

    As palavras e as coisas

    Josué Cândido da Silva*
    Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
    A relação entre as palavras e as coisas é objeto de um longo debate na filosofia. Seriam os nomes que damos aos seres meras convenções ou seriam eles naturais e inerentes aos seres? Poderíamos chamar as mesas de cadeiras e as cadeiras de mesas, por exemplo?

    Muitos povos antigos consideravam o nome como parte indissociável do seu ser. O nome seria tão parte da pessoa como suas mãos ou pés. Assim, o nome adquiria muitas vezes um caráter sagrado, cabendo ao indivíduo honrá-lo e defendê-lo. Ainda hoje, em muitas religiões, realizam-se ritos que tentam atingir uma pessoa através da manipulação do seu nome.

    Entre os cristãos, era comum mudar de nome após converter-se ao cristianismo como símbolo de uma nova vida. Existem pessoas que acreditam que falando o nome da coisa a estamos chamando, como quando se fala da morte, por exemplo. Há outras que acreditam que não se deve falar de pessoas mortas.

    Será que o nome da pessoa é parte de sua identidade ou poderíamos ter um nome diferente que isso não faria diferença? As pessoas se parecem com o nome que têm? Ou há pessoas que têm nomes que não combinam com elas?

    Platão

    Um diálogo interessante de Platão (428-347 a.C.) sobre o assunto aparece no "Crátilo". Platão inicia esse diálogo com uma discussão entre dois personagens: Crátilo e Hermógenes. Crátilo afirma que Hermógenes não deveria se chamar assim, já que "Hermógenes" significa "filho de Hermes" e para fazer jus a esse nome, Hermógenes deveria ser uma pessoa rica e não estar em dificuldades financeiras, como era o caso do personagem.

    Hermógenes, no diálogo, defende a posição do convencionalismo, isto é, que os nomes não têm nenhuma relação com as coisas e são completamente arbitrários, podendo ser mudados segundo a nossa vontade. Já Crátilo defende a posição naturalista de que a cada coisa corresponde o seu nome e conhecer o nome significa saber o que a coisa é.

    Platão defende uma posição intermediária. Ele irá reconhecer que existe certo grau de convencionalismo, pois a mesma coisa pode ser chamada por nomes diferentes nas diversas línguas. Por outro lado, as pessoas não poderiam ficar trocando o nome das coisas à vontade, porque, nesse caso, a linguagem se tornaria impossível.

    Ordem das coisas

    Existe um limite para o convencionalismo, pois as palavras devem significar a essência daquilo que representam. Mesmo que as palavras variem de uma língua para outra, em cada uma delas a palavra sempre representa a essência daquilo que ela nomeia. Ela é um instrumento para representar a ordem das coisas.

    Assim como existe uma ordem nas coisas, existe uma ordem na linguagem, que é tão mais verdadeira quanto melhor representar a ordem das coisas. Por isso, é necessária uma crítica da linguagem para que ela se torne mais fiel como instrumento para dar expressão à ordem natural das coisas. Tal tarefa cabe ao dialético, responsável por criar os nomes e fazer com que a palavra possa exprimir em sons a idéia correspondente à essência da coisa.

    Contrariamente à posição de Platão, o filósofo inglês Guilherme de Ockham (1285-1349) é um dos principais defensores da doutrina conhecida como "termismo" ou "nominalismo". Segundo Ockham, o nome ou o termo "faz as vezes" do objeto na proposição. Ele apenas substitui a coisa real, mas ele mesmo não tem nada a ver com a coisa que designa, é apenas uma convenção que empregamos para nos referirmos às coisas.

    Abstração

    Somente os objetos singulares são reais. Como o número de palavras é limitado e o de objetos, infinito, uma mesma palavra acaba tendo de designar um grande número de objetos. Quanto maior o grupo de objetos que a palavra designa, mais abstrata ela se torna e mais vaga também. Por exemplo, eu posso ter uma idéia muito clara de quem seja André ou Maria, mas a idéia de "humanidade" já não é tão viva em nossa mente. Disso se conclui que as palavras se prestam melhor para se referir às coisas concretas e não para representar a essência (se é que ela existe), como pensava Platão.

    Os termos abstratos seriam apenas construções de nosso intelecto, não estando de forma alguma nas coisas. Ou seja, as coisas não têm uma essência a ser simbolizada através do termo, nós é que atribuímos uma essência para elas através do processo de abstração.

    Convenção versus essência

    Percebemos determinadas características nas coisas e estabelecemos uma relação de semelhança entre elas. Por exemplo, que determinados animais têm penas, bicos e são bípedes e os chamamos de aves. Essas características comuns estão presentes nos indivíduos singulares e nós as abstraímos formando uma idéia geral que se aplica a um grupo de indivíduos.

    A "ave" em si, porém, não existe. O que existem são patos, galinhas e canários concretos dos quais chegamos à idéia geral de ave. O único modo de saber se essa abstração é uma idéia verdadeira ou não é confrontá-la com o objeto real que ela pretende representar.

    Muitos outros filósofos se envolveram no debate sobre se a relação entre as palavras e as coisas é puramente convencional ou a expressão da essência das coisas. Um deles, Pedro Abelardo (1079-1142), colocou o problema nos seguintes termos: se todas as rosas do mundo desaparecessem, o nome "rosa" ainda assim continuaria tendo significado? Por trás dessa questão se esconde a secreta relação entre as palavras e as coisas, além da teimosa recusa da linguagem em ser mero veículo de expressão dos objetos ou das idéias dos sujeitos.
     

    Filosofia medieval (1)

    Quadro com os principais filósofos da Idade Média

    Da Página 3 Pedagogia & Comunicação
    Nascimento e morte
    Filósofo
    Obra
    354-430Santo AgostinhoAs Confissões, A Cidade de Deus
    830-880Escoto ErígenaDa Predestinação, Da Divisão da Natureza
    1033-1109Santo AnselmoMonológico, A Verdade
    1079-1142AbelardoIntrodução à Teologia, Ética
    1193-1280Santo Alberto MagnoSuma de Teologia
    1225-1274Tomás de AquinoSuma Contra os Gentios, Suma Teológica
    1260-1327Mestre EckhartSobre o Desprendimento, Livro da Divina Consolação
    1266-1308Duns EscotoDo Princípio Primeiro, Questões Metafísicas
    1300-1350Guilherme de OckhamComentários sobre as Sentenças, Lógica dos Termos
    1401-1464Nicolau de CusaA Douta Ignorância, O Deus Escondido
     
     

    Filosofia pós-moderna - Heidegger e Wittgenstein

    A questão da linguagem no pós-moderno

    José Renato Salatiel*
    Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
    Quando assistimos à tevê ou vamos ao cinema ver um filme, por alguns instantes nos envolvemos de tal modo na narrativa que vivenciamos emoções reais, mesmo sabendo que tudo não passa de ficção.

    Agora, por um momento, imagine que a realidade concreta, o dia-a-dia, também não passa de uma representação e que só temos acesso às coisas mediante o uso da linguagem. Existiria uma representação da realidade que seria mais correta que as demais, mais próxima da verdade?

    Uma das mais importantes teorizações do pensamento pós-moderno ocorre em torno dessas questões. Neste artigo, trataremos dos dois maiores filósofos do século 20, que também conduziram, com suas idéias, boa parte das formulações dos pós-modernos ou pós-estruturalistas: Heidegger e Wittgenstein.

    Heidegger: da existência à poesia

    Ao pensar o Ser enquanto contingência ou projeto, que se concretiza no lançar-se no mundo, o "ser-no-mundo", o filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976) rompeu com toda uma tradição metafísica de pensar o homem a partir de uma essência eterna e imutável. Com isso, ele procurou reconstruir a filosofia em um pensamento antifundacionista.

    Por exemplo, pensemos no homem como uma casa com seus alicerces e estruturas, pronta para morar. Antes de Heidegger, era comum em filosofia encontrar nessas fundações as bases com as quais compreendemos o Ser, seja na alma ou na razão. Podemos dizer que Heidegger remove as estruturas dessa "casa" e direciona a reflexão para o projeto de construção.

    Nós somos, assim, puras possibilidades, que só se concretizam em um determinado contexto histórico e social. É, de antemão, equivocado buscar uma essência do Ser, pois ele é esse atirar-se no mundo, e é somente no mundo que encontra alguma resolução.

    Em seus trabalhos maduros, Heidegger busca na linguagem um modo de dizer esse Ser. Mas como o Ser não é um algo que se possa descrever ou transformar por meio da linguagem lógica e técnica, que usamos para designar objetos ou manipular as coisas do mundo, só pode ser dito na linguagem poética, ambígua e aberta a interpretações.

    Essas idéias de Heidegger influenciaram, direta ou indiretamente, algumas das principais correntes da filosofia contemporânea. Seus escritos sobre a existência, principalmente em sua obra Ser e Tempo, repercutiram na fenomenologia e no existencialismo franceses; já as interpretações do Ser na linguagem foram referenciadas na hermenêutica e em uma determinada linha do pragmatismo. Tanto em seu aspecto antifundacionista quanto em suas críticas à linguagem instrumental, Heidegger municiou a filosofia pós-moderna.

    Wittgenstein: os jogos de linguagem

    O filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein (1889-1951), considerado um dos maiores gênios em filosofia no século 20, desenvolveu em sua obra Investigações filosóficas algumas importantes idéias recuperadas pelos pós-estruturalistas, entre elas, o conceito de jogos de linguagem.

    Imagine que você faz uma viagem para um Estado diferente do país. Se você mora no Sudeste, por exemplo, vai visitar familiares, no Nordeste ou no Sul, que não vê desde criança. Chega tarde da noite e, na manhã seguinte, o convidam para o café-da-manhã. Talvez você espere encontrar pão com manteiga e café com leite, caso seja isso o que você está acostumado a comer pela manhã. Mas, ao invés disso, se depara com alimentos que nunca comeu antes ou sequer ouviu falar: charque ou tapioca, por exemplo.

    O que isso quer dizer? Que as palavras só possuem sentido em um contexto específico, em seu uso prático. Quando aprendemos uma língua, aprendemos com ela um conjunto de regras de uso, uma forma de entender e agir no mundo. Ou seja, "café-da-manhã" significa coisas diversas para você e seus parentes distantes.

    São essas regras de uso prático que acompanham o modo como representamos o mundo na linguagem, e que evoluem e diferem conforme o ambiente sociocultural, o que chamamos de jogos de linguagem.

    Os jogos de linguagem, portanto, mostram que a realidade é fragmentada: se existem diferentes jogos de linguagem, existem diferentes leituras da realidade, e nenhuma deve prevalecer sobre as outras.

    Pontos de vista

    Cai por terra, desse modo, a pretensão do projeto de modernidade de uma única construção da história, guiada pela razão iluminista e cujo progresso levaria à felicidade humana. O raciocínio técnico e científico do homem ocidental representa um modo de contar a história. Os pós-modernos perguntaram: não haveria outros igualmente válidos?

    Suponha, por exemplo, uma ocupação estudantil de um campus universitário. A Polícia Militar é acionada pela Justiça e a Tropa de Choque entra no prédio e bloqueia o acesso da imprensa. Há conflito, danos materiais e alguns feridos. Os repórteres, sem poder chegar ao local, irão contar a história a partir dos relatos oficiais da polícia e de depoimentos dos estudantes. E, dependendo da edição de cada veículo, poderão realçar um lado da história. Onde estará a verdade? Na versão da polícia ou dos estudantes? No jornal A ou no jornal B? Talvez em nenhuma dessas versões. Talvez um pouco em todas.

    Na filosofia pós-moderna, o problema é encontrar formas de legitimar a crença em alguma dessas versões - uma forma que se sobreponha às demais.
     

    Fundamento da realidade

    Qual o princípio de tudo?

    Josué Cândido da Silva*
    Especial para Página 3 Pedagogia & Comunicação
    Reprodução
    Para o grego Aristóteles, o ser humano tem o desejo natural de saber
    Diz o provérbio que as aparências enganam. Enganam justamente porque não nos contentamos só com o que aparece. Aristóteles dizia que o ser humano tem o desejo natural de saber. Quando algo aparece para nós através dos sentidos, queremos logo saber: Como é? Para que serve? Como funciona? Isso é assim desde que o homem é sapiens.

    Nossa curiosidade se estendeu, inclusive, para outros limites. O homem está sempre se perguntando: Será que existe uma ordem por trás do que aparece? Será que o que aparece é uma mera ilusão que encobre uma verdade oculta?

    Alguns povos encontraram uma resposta bastante convincente na religião. Várias mitologias falam de um passado imemorial, em que uma ou várias divindades teriam transformado o caos em um cosmos, que significa "ordem". De tal forma que, mesmo que muitas vezes as aparências digam o contrário, há uma ordem que rege todos os fenômenos do universo, como a sucessão do dia pela noite e as estações durante o ano.

    Qual o princípio de tudo?

    Com a ampliação do conhecimento em várias áreas - como a astronomia, a matemática, etc. -, os primeiros filósofos começaram a pensar se a razão humana não poderia ir um pouco mais longe na resposta à grande questão: qual o princípio de tudo o que existe?

    Um dos primeiros filósofos a tentar dar uma resposta, sem fazer recurso aos deuses, foi Tales de Mileto (cerca de 625-558 a.C.), muito mais conhecido por seu teorema sobre a propriedade dos triângulos do que como filósofo. Na verdade, do que Tales pensou não sobrou muito além de alguns fragmentos. Ele inaugurou a filosofia ao afirmar que tudo é água. Frase que, hoje, pode soar estranha e até mesmo absurda, mas que marca a forma propriamente filosófica de pensar, que difere tanto da ciência quanto da religião.

    Difere da ciência por não se preocupar em explicar fenômenos particulares, como o comportamento de estrelas binárias ou de que maneira o colesterol pode afetar nossa saúde. A filosofia trata do geral, do que está à vista de todo mundo, do que nos é comum.

    Quando Tales diz que tudo é água, por exemplo, ele quer dizer que há algo de comum a tudo o que existe, uma unidade que pode ser encontrada em meio à diversidade que nos cerca. Tal resposta também o afasta da religião, por não buscar uma explicação para esse mundo fora dele. Ao atribuir à água a origem de tudo (não podemos esquecer que a vida começou na água), Tales questiona se, através de uma investigação racional e criteriosa, não poderíamos encontrar respostas para as grandes perguntas que nos cercam.

    Sem dogmatismos

    Outra característica importante da filosofia que se inaugura com Tales é sua capacidade de revisão e crítica interna, distanciando-se de posições rígidas ou dogmáticas, muitas vezes de origem mítica ou religiosa, que são impermeáveis às mudanças ou às críticas.

    Anaximandro, um discípulo de Tales, considerava difícil aceitar a idéia de que um elemento como a água tivesse gerado todos os outros, pois o princípio teria que ser indestrutível e não-engendrado, do contrário, como tudo, estaria ele também sujeito à mudança e decomposição. A esse princípio, Anaximandro dá o nome de apeíron, que pode ser traduzido por infinito ou ilimitado.

    Anaxímenes, também de Mileto, considerava que tudo teria se formado a partir do ar infinito, por um processo de rarefação e condensação. Empédocles de Agrigento achava que tudo era um composto de quatro elementos (fogo, terra, água e ar) em diferentes combinações, movidos por forças de repulsão (ódio) e atração (amor). Demócrito de Abdera achava que tudo era formado de partículas infinitamente pequenas e indivisíveis, as quais denominou de átomos (do grego, não-divisível).

    De certa forma, as teorias desses filósofos, entre outros do mesmo período, aproximam-se em algum grau daquilo que hoje consideramos verdade científica. Independentemente disso, o mais importante é a forma como trataram a pergunta sobre o princípio comum de tudo e o encaminhamento da resposta que tentaram dar a ela.

    O fundamento da realidade

    Os primeiros filósofos, assim como os filósofos de hoje, estavam interessados não sobre a forma como conhecemos este ou aquele fato em particular, mas sobre como podemos conhecê-los em geral. Ou seja, se existem realmente fundamentos suficientemente firmes nos quais poderíamos edificar as bases de todos os nossos conhecimentos ou se nossos conhecimentos não passam de castelos de areia que mal resistem às vagas do ceticismo e do relativismo.

    Para boa parte dos filósofos da Antigüidade Clássica, responder a essa questão equivaleria a responder sobre o fundamento da realidade, sem o qual nenhuma verdade poderia considerar-se suficientemente segura.

    Formas de poder

    República deve garantir o bem comum

    Renato Cancian*
    Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
    Reprodução
    Alegoria da República, de Antoine Gros, artista francês do século 19
    O termo república tem vários significados. Desde a Antigüidade clássica, passando pela Idade Média e chegando à modernidade, a palavra vem sendo empregada para classificar tipos de Estado, tipos de governo ou formas de organização do poder político.

    As origens históricas do termo remontam à Roma antiga. Foi o orador, escritor e pensador político romano Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.) quem pela primeira vez formulou o conceito de res publica. Cícero vivenciou um período da história de Roma marcado por inúmeros conflitos sociais e políticos, provocados pela luta dos grupos sociais em torno do poder governamental. Muitos de seus escritos foram diretamente influenciados pela situação política de Roma.

    A res publica de Cícero

    De acordo com o conceito ciceroniano, res publica serve para indicar o princípio subjacente ao povo ou a uma comunidade que habita um território comum. Assim, o "bem" ou "interesse comum" deve ser concretizado no âmbito da ação política. O bem comum representa o que é público, ou seja, pertencente a todos em comum, em contraposição aos interesses particulares próprios da vida privada ou doméstica.

    O conceito de res publica formulado por Cícero se compõe de princípios idealistas e/ou utópicos. Cícero não se importava com as formas de governo, mas sim com o princípio norteador que deveria guiar o governante, ou seja, o bem comum. Na perspectiva ciceroniana, não importa se o governo assume a forma de monarquia (poder de um só homem; neste caso, o rei), aristocracia (poder de um grupo de homens) ou democracia (poder do povo).

    Para Cícero, o governo ideal ou justo é aquele que respeita a lei (ou um conjunto de leis) em conformidade com o interesse e bem comum. Ele contrapunha a república não à monarquia, à aristocracia ou à democracia, mas aos governos considerados injustos, ou seja, aqueles que não se guiavam pelo bem comum. Assimilando o conceito de res publica ciceroniano, Santo Agostinho (354-430 d.C.) denominará os governos injustos de magna latrocinia.

    A res publica medieval

    Na Idade Média, o termo res publica foi empregado com o significado original que tinha na Antigüidade. Os termos civitas, communitas e populus serviam para diferenciar a organização do poder que englobava o vasto território europeu que ficou sob domínio do Império e da Igreja católica.

    O termo res publica (ou respublica) foi empregado para designar a ordem política e a unidade da sociedade cristã sob coordenação dos dois poderes universais: a Igreja católica e o Império, ambos considerados na época emanação da vontade de Deus para manter a paz e a justiça entre os homens.

    A república moderna

    A transição da Idade Média para a Idade Moderna foi marcada pela ascensão das monarquias nacionais européias, que assumiram forma política definitiva e duradoura nos Estados absolutistas. Ocorreu então a secularização do termo res publica, passando a ser mais utilizada a palavra "república".

    O conceito de república se modifica porque passa a ser empregado para caracterizar as novas formas de organização do poder político. Porém, no período moderno, a clássica distinção entre monarquia, aristocracia e democracia é substituída pela tríade monarquia, república (podendo ser aristocrática ou democrática) e despotismo. Os pensadores Maquiavel e Montesquieu foram os principais expoentes do novo conceito de república.

    Formas de poder

    As principais características ou fatores que distinguem as formas de organização do poder no período moderno são de ordem qualitativa. Com relação às leis: numa república as leis são expressões da vontade popular, enquanto na monarquia expressam a vontade do rei (muitas vezes em conformidade com a tradição e o costume vigente). No despotismo, o governante exerce o poder por meio de leis e decretos ocasionais e improvisados em cada ocasião.

    Em relação à integração social, numa república é a "virtude" que leva os cidadãos a privilegiarem o bem do Estado em detrimento do interesse particular. Na monarquia, é o senso de honra da nobreza hereditária e, no despotismo, é o medo diante da ameaça da violência repressiva que paralisa os súditos.

    Em relação ao surgimento da ordem política, na república ela nasce de baixo (da vontade do povo); na monarquia ela surge do alto por iniciativa do rei, mas em consonância com a tradição e o costume vigente; no despotismo, a ordem política é imposta pela força do tirano.

    Novos significados

    Após as grandes revoluções burguesas ocorridas na Europa nos séculos 17, 18 e 19, as monarquias absolutistas entraram em colapso (caso da França) ou se modificaram pela constitucionalização do poder político. Esse é o caso da Inglaterra, com a adoção da monarquia parlamentarista, que fez com que o governo deixasse de ser expressão de um só mandatário.

    Assim, o termo república perdeu o significado que tinha no início do período moderno. Surgiram então dois tipos de república: presidencialista e parlamentarista. Nos dois, o poder político governamental se encontra dividido entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Em cada caso, porém, a relação de autonomia e a amplitude de atuação entre tais poderes governamentais é bastante distinta.
     
     

    Guilherme de Ockham

    Causa e efeito

    Renato Cancian*
    Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
    O teólogo escolástico inglês Guilherme de Ockham (1285-1347), ou William de Ockham, é considerado o precursor do racionalismo, do cartesianismo e do empirismo moderno. Em suas obras, Ockham separou razão e fé, filosofia e teologia, e desenvolveu uma doutrina científica a partir do princípio de que só a experiência (proporcionada pelos sentidos humanos) permite conhecer a causa das coisas.

    Ockham elaborou e fundamentou seus estudos lógico-empíricos com base em silogismos, uma forma de raciocínio dedutivo. Um silogismo é constituído por três proposições: duas premissas e uma conclusão. O uso do silogismo não tem por objetivo descobrir nada de novo, mas apenas demonstrar a validade de algo que já se conhece.

    A origem do silogismo como forma de análise e dedução lógica remonta à Grécia Antiga, com o pensamento de Aristóteles.

    Conceitos básicos

    Nas obras de Ockham é muito recorrente o emprego do termo Deus. O autor se refere a Deus para estabelecer uma causa principal e única, responsável pelas demais. Sem esse recurso, teríamos de aceitar o pressuposto de causas infinitas para a compreensão da realidade. Assim, segundo Ockham: "Uma coisa é uma causa de outra se, quando inexiste essa primeira coisa, esta segunda coisa também inexiste".

    Causalidade é uma relação em que o conhecimento, através da experiência, reconhece uma coisa como causa e, conseqüentemente, uma coisa como efeito. A prova se apóia na verificação da presença ou ausência do agente causador. O autor aceita o pressuposto de que não pode haver uma série infinita e ininterrupta de causas e efeitos; portanto, tem de existir uma primeira causa, que é responsável pelas demais.

    A obra de Ockham é filosófica e não teológica. Ele impõe muitos limites ao nosso conhecimento natural de Deus e é um crítico das provas tradicionais a favor da existência de Deus - mas ele exerce sua crítica assumindo o papel de um lógico. Para Ockham, o fato de Deus existir e ser único é uma questão do âmbito da fé. Pressupor uma causa "eficiente" e "perfeita" não é o mesmo que provar a existência de um ser superior como Deus - é apenas estabelecer um ponto de referência para apoiar o raciocínio.

    Os silogismos

  • Silogismo 1: Nas causas essencialmente ordenadas, a causa segunda depende da primeira.

    Segundo a concordância do autor, a resposta é "sim". De acordo com a proposição, aceitamos o fato de que a causa segunda é proveniente da causa primeira. A causa segunda depende de sua geradora para produzir algum efeito. Para estabelecer uma distinção entre causa total e causa parcial, podemos afirmar que a causa superior representa uma causa total se, e somente se, representar uma dependência contínua.

  • Silogismo 2: Nas causas essencialmente ordenadas, a causa superior é mais perfeita.

    Duas definições de perfeição são empregadas pelo autor: "natureza absolutamente perfeita" e "condição ou predicação mais perfeita". Nas causas essencialmente ordenadas, a superior é mais perfeita, mas nesse caso devemos nos valer da distinção entre causa superior total e causa superior parcial. Uma causa superior total é mais perfeita que as causas posteriores, tanto na sua condição como na sua natureza. Esta causa inclui Deus e engloba todas as outras causas. No entanto, uma causa superior parcial não é mais perfeita que seu efeito posterior.

  • Silogismo 3: As causas essencialmente ordenadas precisam agir simultaneamente na produção de um efeito de que são causas essencialmente ordenadas.

    De acordo com Ockham, "há contradição em que todas sejam causas essenciais do mesmo efeito e, contudo, esse efeito possa ser naturalmente produzido com exclusão de alguma dessas causas". Se um efeito pode ser naturalmente produzido sem A, este não é exigido naturalmente para sua produção e, por conseqüência, não é sua causa essencial.

    Síntese

    Explorando as proposições elaboradas nos silogismos 1, 2 e 3 nota-se que as conclusões lógicas que permitem ao autor construí-los podem ser resumidas da seguinte maneira: a prova representa o emprego do método lógico baseado em presença/ ausência de um agente considerado causa ou efeito.

    Depois, temos as construções de conceitos: causa total, causa parcial, efeito numericamente uno, efeito específico. Em seguida temos: natureza absolutamente perfeita, condição ou predicação mais perfeita.


  • História da filosofia

    Antiga, medieval, moderna e contemporânea

    Da Página 3 Pedagogia & Comunicação
    De um modo geral, os estudos filosóficos têm como espinha dorsal o estudo da história da filosofia. Para se estabelecer uma seqüência histórica da filosofia podem-se usar diferentes critérios.
    Normalmente, a periodização é feita a partir de uma correlação com os períodos históricos, políticos e culturais. Desse modo, fala-se em
    1) filosofia antiga;
    2) filosofia medieval;
    3) filosofia moderna;
    4) filosofia contemporânea.
    (clique nos links para saber mais.)
    O filósofo Mario Ariel González Porta, professor de filosofia na graduação e pós-graduação da PUC/SP, num pequeno grande livro, questiona essa periodização, na medida em que sua base não é de natureza filosófica. Para ele, o desenvolvimento filosófico tem de ser compreendido a partir de critérios que preencham as seguintes condições:
    "1) que sejam, em primeiro lugar, intra-sistemáticos e propriamente filosóficos e, além disso,
    2) que sejam evolutivos ou dinâmicos, isto é, que permitam compreender não apenas a diferença essencial entre o pensamento de diferentes períodos, mas também o princípio interno de passagem de um a outro."
    A periodização proposta por González Porta permite efetivamente que o iniciante nos estudos filosóficos encontre o fio de Ariadne que o conduza com segurança no labirinto temporal em que pode se transformar a história da filosofia. Por isso, vale a pena conhecê-lo:
    Período filosófico
    Correspondência ao período histórico
    Grandes nomes
    Disciplina-chave
    Conceito-chave
    1. Período metafísicoÉpoca antiga, medieval e início da modernaPlatão, Aristóteles, São Tomás de Aquino
    (Descartes)
    Metafísica (ontologia)Ser
    2. Período epistemológico (ou transcendental)Época moderna(Descartes) KantEpistemologia, Teoria transcendentalVerdade, objetividade, validez
    3. Período semântico-hermenêuticoÉpoca contemporâneaHusserl, Dilthey, Heidegger, Frege, WittgensteinTeoria da significação, Fenomenologia, Hermenêutica, Semântica (análise lógica da linguagem)Significado, Semântica: análise lógica da linguagem

    O livro em que se encontra o esquema de Mario Ariel González Porta chama-se "A Filosofia a partir de seus problemas" e integra a coleção "Leituras Filosóficas", das Edições Loyola. Não se trata de uma leitura meramente introdutória, pois pressupõe que o leitor já tenha uma familiaridade mínima com a filosofia. A estes, com certeza, a obra de González Porta pode ser muito útil e esclarecedora.


    Platão (1)

    "A República" e o método dialético

    Heidi Strecker*
    Especial para Página 3 Pedagogia & Comunicação
    Reprodução
    O filósofo Platão
    Todo mundo conhece o adjetivo platônico. Sabemos que ele tem relação com o filósofo grego Platão. Mas sabemos também, consultando um dicionário, que platônico significa "alheio a interesses ou gozos materiais" (daí a expressão "amor platônico", ou amor casto). Para entender melhor a origem dessa expressão, precisamos conhecer um pouco o pensamento de um dos filósofos mais importantes de todos os tempos.

    Platão não deixou uma obra filosófica sistemática, organizada de forma lógica e abstrata. As obras de Platão foram escritas em forma de diálogo, em que diferentes personagens discutem acerca de um determinado tema. Aliás, o diálogo não é apenas a forma como o filósofo se expressa, mas também o cerne de seu método filosófico de descoberta da verdade. Para Platão, o conhecimento é resultado do convívio entre homens que discutem de forma livre e cordial.

    Sócrates, o mestre

    Os diálogos de Platão estão organizados em torno da figura central de seu mestre - Sócrates. Escritos em linguagem clara e envolvente, conquistam de imediato o leitor. Isso não quer dizer que a compreensão do pensamento platônico seja simples. Platão é um filósofo rico e complexo, e suas idéias até hoje desafiam os pesquisadores.

    Platão viveu na Grécia do período clássico. Nasceu em 427 a.C., em Atenas, numa família de origem aristocrática e recebeu uma educação refinada, reservada àqueles destinados a participar da vida política de Atenas. Platão tinha em torno de vinte anos (e o mestre, 63) quando conheceu o filósofo Sócrates e tornou-se seu discípulo. A partir desse encontro, Platão passou a assistir a suas discussões e tornou-se seu seguidor.

    Quando o mestre foi levado ao tribunal, em 399 a.C., e condenado à morte bebendo cicuta (acusado de corromper a juventude), Platão estava presente e registrou seus últimos ensinamentos na obra hoje conhecida como "Apologia de Sócrates". Praticamente tudo que sabemos a respeito de Sócrates vem dos escritos de Platão.

    Os diálogos de Platão

    Depois da morte de Sócrates, Platão desiludiu-se com a democracia e deixou Atenas. Realizou diversas viagens pela Grécia, pelo Egito e pela Itália. Entre 399 a.C. e 387 a.C., criou vários de seus famosos diálogos em que Sócrates aparece como personagem central, como "Críton", "Laques", "Lísias", "Górgias" e "Protágoras".

    A seguir, Platão alternou longas temporadas em Atenas com a realização de três grandes viagens à Sicília, onde realizou diversas tentativas de colocar em prática suas teorias políticas. Em Atenas, Platão fundou, por volta de 386 a.C., a famosa Academia, onde lecionou durante quarenta anos. O filósofo morreu em 347 a.C., aos 80 anos, deixando como discípulo o filósofo Aristóteles.

    A República

    Uma das principais obras platônicas é "A República", em que o filósofo discute o conceito de justiça. "A República" é uma obra extensa, dividida em dez livros, em que Platão não faz uma análise de um sistema político concreto, nem o exame de formas reais de organização da sociedade. Pelo contrário, a obra de Platão discute o que seria um estado ideal.

    Em "A República", temos um grupo de amigos: Sócrates, dois irmãos de Platão - Glauco e Adimanto - e vários outros personagens, que serão provocados pelo mestre. O diálogo vai tratar de assuntos relacionados à organização da sociedade e à natureza da política. Na República ideal concebida por Platão, o governo deve estar nas mãos dos filósofos, que são aqueles mais próximos da verdade, da idéia do bem e da justiça.

    A investigação platônica utiliza o método dialético (palavra que tem na origem a noção de "diálogo"). Esse procedimento consiste em apreender a relidade através de posições contraditórias, até que uma delas é finalmente entendida como verdadeira e a outra como falsa. A dialética platônica é um processo indutivo, que vai da parte para o todo.

    O mito da caverna

    No livro 7 de "A República" também aparece formulada a teoria das idéias. Trata-se de uma alegoria famosa, que ficou conhecida como mito da caverna. Segundo o texto de Platão, o conhecimento do mundo sensível (o mundo que podemos conhecer através dos órgãos dos sentidos) é inferior à contemplação da verdade. Os homens, porém, tendo vivido sempre numa caverna, acorrentados, acreditam que as sombras que vêem projetadas na parede sejam a verdade. Mas só é possível conhecer a verdade além de nossos preconceitos e crenças. Só o filósofo se liberta e vê a realidade à luz do sol.

    Política

    A arte ou ciência de governar

    Antonio Carlos Olivieri*
    Da Página 3 Pedagogia & Comunicação
    Você sabia que quem não se interessa por política, acaba sendo governado por aqueles que se interessam? É isso mesmo. As decisões do governo de um país dizem respeito diretamente a todos aqueles que vivem ali. Delas dependem, por exemplo, o preço das coisas, a qualidade das escolas, dos hospitais e dos medicamentos, e até a possibilidade de acessar livremente a Internet - o que os chineses estão proibidos de fazer pelo governo comunista de Pequim.

    Levando em consideração o fato de a política interferir na vida de todos nós, é fácil concluir que não é conveniente para ninguém ser completamente ignorante em matéria de política. Para compreender bem a questão, entretanto, é necessário recorrer aos estudos históricos, pois as atividades políticas são tão antigas quanto a própria humanidade.

    Um pouco de filosofia

    A palavra política deriva do grego "politikós", adjetivo que significa tudo o que se refere à cidade (em grego, "pólis"). Mas o conceito de "pólis" é mais abrangente do que o nosso conceito de município. Na Grécia antiga, entre os séculos 8 e 6 a.C, surgiram as "pólis", que eram, ao mesmo tempo, a cidade e o território agropastoril em seus arredores, que formavam uma unidade administrativa autônoma e independente: uma cidade-Estado, quase como um país nos dias de hoje. Atenas e Esparta são as cidades-Estado mais famosas da Antiguidade grega.

    De qualquer modo, inicialmente, a expressão política referia-se a tudo que é urbano, civil, público. O significado do termo, porém, expandiu-se graças à influência de uma obra do filósofo Aristóteles (384-322 a.C), intitulada Política. Nela, o filósofo desenvolveu o primeiro tratado sobre a natureza, funções e divisão do Estado - ou seja, o conjunto das instituições que controlam e administram um país - e sobre as várias formas de governo.

    Política, então, passou a designar a arte ou ciência do governo, isto é, a reflexão sobre essas questões, seja para descrevê-las com objetividade, seja para estabelecer as normas que devem orientá-la. Durante séculos, o termo passou a ser usado para designar obras dedicadas ao estudo das atividades humanas que de algum modo se refere ao Estado. Entretanto, nos dias de hoje, ele perdeu seu significado original, que foi gradativamente substituído por outras expressões, como "ciência política", "filosofia política", "ciência do Estado", "teoria do Estado", etc. Política passou a designar mais as atividades, as práticas relacionadas ao exercício do poder de Estado.

    Política e poder

    Entendido como forma de atividade ou de prática humana, o conceito de política, está estreitamente ligado ao conceito de poder. O filósofo britânico Bertrand Russell (1872-1970) define o poder como "o conjunto dos meios que permitem alcançar os efeitos desejados". Um desses meios é o domínio do ser humano sobre a natureza. Outro é o domínio de alguns homens sobre outros homens.

    Neste último sentido, podemos ampliar o conceito de poder definindo-o como uma relação entre dois sujeitos, dos quais um impõe a sua própria vontade ao outro, determina-lhe a maneira de se comportar. O domínio sobre os homens, contudo, não é geralmente um fim em si mesmo. De acordo com Russell, trata-se de um meio para obter "alguma vantagem".

    Está claro que o poder político pertence à categoria do poder do homem sobre o outro homem (e não sobre a natureza). Essa relação de poder pode ser expressa de mil maneiras, como a relação entre governantes e governados, entre soberanos e súditos, entre Estado e cidadãos, etc. Porém, é importante ressaltar que há várias formas de poder do homem sobre o homem e que o poder político é apenas uma delas.

    Dinheiro, ciência e armas

    É possível distinguir três grandes tipos de poder do homem sobre o homem. Para começar, há o poder econômico, exercido quando alguém se vale da posse de certos bens para levar aqueles que não os possuem a um certo tipo de comportamento, que, em geral, é a realização de algum tipo de trabalho. Evidentemente, esse é o poder que o patrão exerce sobre os seus empregados.

    Mas há também o poder ideológico, o poder das ideias, do saber, do conhecimento, que permite o domínio sobre a natureza. Esse poder tem sido exercido pelos "sábios" ao longo da história. Nas sociedades primitivas, eram os sacerdotes. Nas sociedades contemporâneas, são os intelectuais ou cientistas. Pense, por exemplo, no poder que um médico pode exercer sobre o seu paciente, já que dispõe do conhecimento necessário para lhe devolver a saúde.

    Finalmente, existe o poder político, que se baseia na posse dos instrumentos mediante os quais se exerce a força física (as armas e toda espécie de potência): é o poder de coação, no sentido mais estrito da palavra. Exemplo: se alguém desobedecer a uma determinada lei, o governo tem poder para ordenar a sua prisão por policiais. Em caso de resistência, os policiais têm até o direito de usar suas armas.

    Poder político é o poder supremo

    Por se tratar de um poder cujo meio específico é a força, o poder político é o poder supremo, ao qual os demais estão subordinados. Embora o uso da força seja o elemento que distingue o poder político dos demais, esse uso é uma condição necessária, mas não suficiente, para tornar a sua existência legítima. Não é qualquer grupo social em condições de usar a força - como os narcotraficantes, por exemplo - que exerce o poder político.

    O poder político conta com a concordância de toda a sociedade para usar a força, para ter o seu monopólio, inclusive com o direito de incriminar e punir todos os atos de violência que não sejam executados por pessoas autorizadas.

    Isso se torna mais claro quando se pensa na execução de alguém que cometeu um assassinato, nos países onde há pena de morte. Nesses lugares, o Estado tem o direito de tirar a vida de um cidadão para puni-lo por seu crime - embora esse direito seja cada vez mais questionado pela sociedade e pelos cientistas jurídicos.

    Limites do poder político

    Além da exclusividade do uso da força, ainda podem ser apontadas como características do poder político: a universalidade, ou seja, a capacidade de tomar decisões que valham para toda a coletividade, no que se refere à distribuição e destinação dos recursos (naturais, humanos e econômicos) no seu território; e a inclusividade, isto é, a possibilidade de intervir em todas as esferas de atividade do grupo e de encaminhar essa atividade ao fim desejado, por meio das leis, ou seja, as normas ou regras destinadas a todo o grupo.

    Isso não quer dizer, todavia, que o poder político não tenha limites, mas estes variam de acordo com o tipo de Estado. O Estado socialista, por exemplo, estende seu poder à esfera econômica e planeja como a economia deve caminhar. Já o Estado liberal clássico (capitalista) não aceita a intervenção nessa área, deixando que a economia seja regulada por suas próprias necessidades e características peculiares.

    No Estado totalitário, como as ditaduras, o poder político se intromete em qualquer campo da atividade humana. Entre 1922 e 1943, na Itália, a ditadura fascista de Benito Mussolini chegava a dar prêmios a casais que tivessem muitos filhos, pois estavam gerando cidadãos para servir ao Estado.

    Objetivo da política

    Por fim, é conveniente lembrar que até agora tratou-se dos meios da política. Mas ela também tem um objetivo, uma meta, uma finalidade. Uma finalidade mínima e básica, que é comum a toda e qualquer atividade política: a ordem pública nas relações internas do país e a defesa da integridade nacional nas relações exteriores, de um Estado com os outros Estados.

    Esta é a finalidade mínima porque é a condição essencial para a obtenção de todos os demais fins (desenvolvimento econômico, segurança e saúde, educação, etc.) que, generalizando, devem garantir o bem-estar do povo. Até mesmo o partido que subverte a ordem não faz isso como um objetivo final, mas como fator necessário à mudança da ordem existente e a criação de uma nova ordem.
     
     
     
     
     
     
     
     

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