sexta-feira, 8 de abril de 2011

LITERATURA

Cortiço, O

Análise do livro de Aluísio de Azevedo

Oscar D'Ambrosio*
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
Um caminho para penetrar na riqueza visual proporcionada pelo maranhense Aluísio Azevedo (1857-1913), no romance "O Cortiço" (1890), é lembrar que os interesses iniciais do escritor eram o desenho e a pintura. Trabalhou como caricaturista e, em 1876, viajou ao Rio de Janeiro para estudar Belas Artes, obtendo seus primeiros ganhos com desenhos para jornais. Só com a morte do pai voltou ao seu Estado natal e se dedicou à literatura, escrevendo "O Mulato" (1881), considerado o primeiro livro da escola naturalista nacional. <>
Divulgação/CECIERJ
Cortiço na rua Visconde do Rio Branco, Rio de Janeiro, cerca de 1906

Esse amor à imagem gera, em "O Cortiço", uma narrativa em que as estrelas não são João Romão, português que, com o objetivo de enriquecer, constrói e aluga casas até ser proprietário de um imenso cortiço; o rico compatriota Miranda, burguês que não vê com bons olhos a ascensão do vizinho; e um grande bloco de personagens formado por brancos, pretos, mulatos, lavadeiras, malandros, assassinos, vadios e benzedeiras, tratados como animais movidos pela comida e pelo sexo.

O grande astro é o próprio cortiço. Ele tem vida autônoma, bem a gosto da estética naturalista, que atribui vida própria aos agrupamentos humanos, segundo princípios científicos em que o meio é determinante, senhor soberano dos destinos humanos.

Crítica social

Assim, num universo marcado pelos mais diversos tipos de "vícios", como a lascívia e a homossexualidade - considerados, pelo autor, à época, como problemas -, a degradação moral é inevitável. Azevedo age como desenhista e pintor que era, justapondo cenas em que evidencia o caos em que se afundam os personagens do cortiço dirigido com autoritarismo por Romão.

O mais significativo é que os dois portugueses irão integrar a mesma família, pois Romão deseja se casar com Zulmira, filha de Miranda. Para isso, o dono do cortiço precisa se livrar de sua companheira, a escrava Bertoleza, que esteve ao seu lado em todo o seu processo de ascensão social.

Ele havia forjado uma falsa carta de alforria e, para se livrar da mulher que o incomodava em seu desejo de ascensão social, chamou os antigos proprietários da escrava, denunciando-a como fugida. Quando a polícia vem buscá-la, ela, numa cena bem ao gosto naturalista, rasga o próprio ventre com um facão. A miséria moral do dono do cortiço gera a miséria existencial de sua companheira.

Enredo

O detalhamento na narração, a sensualidade de cenas como as que envolvem a bela Rita Baiana, moradora do cortiço disputada por Firmo e o rival Jerônimo, e o determinismo que atinge personagens como Pombinha, moça delicada que perde a pureza devido ao ambiente que a cerca, revelam que o livro é uma pintura naturalista de cenas articuladas em nome da miséria econômica e moral de um cortiço em fins do século 19.

Aluisio Azevedo destaca o que há de mais sórdido no ser humano. Isso não é feito a partir de dramas pessoais, mas pelo estabelecimento de um enredo que parece uma pintura panorâmica, em que cada cena compõe um todo de dor existencial, gerado pela atmosfera conspurcada do cortiço.
 

Dom Casmurro (1)

Resumo da história

Da Página 3 Pedagogia & Comunicação
Reprodução
Uma das últimas fotos de Machado de Assis
"Dom Casmurro", de Machado de Assis, teve sua primeira edição lançada em 1900. O livro pode ser compreendido como a autopsicanálise de Bento Santiago, que viveu uma história de amor com final trágico. Emotivamente, encontra-se mutilado, pois acredita ter sido traído pela esposa, Capitu, e pelo melhor amigo, Escobar.

Muitos anos após a morte dos dois, decidiu escrever um livro para se livrar dos fantasmas do passado, demonstrando definitivamente que não errou na atitude que tomou em relação à mulher e ao filho. A ação se passa aproximadamente entre 1857 e 1875, embora o livro tenha sido escrito na década de 1890.

Na infância e adolescência, Bento de Albuquerque Santiago morava na rua de Matacavalos (Rio de Janeiro), com sua mãe viúva dona Glória, a prima Justina, o tio Cosme e o agregado José Dias. Na casa ao lado, vivia Capitolina (Capitu), filha de Pádua e Fortunata. Ao contrário da família de Bentinho, os pais de Capitu são pobres. Mesmo assim, os meninos conviveram como amigos.

À força no seminário

Quando Bentinho completou 15 anos, José Dias lembrou dona Glória da promessa por ela feita de enviar o filho para o seminário. Na verdade, procurava alertá-la para o perigo de envolvimento amoroso do menino com a vizinha. Mas Bentinho e Capitu já estavam apaixonados.

De qualquer modo, foram separados pelo seminário, Bentinho tornou-se amigo de Escobar, outro seminarista sem vocação. Posteriormente, com a ajuda do mesmo José Dias e de Escobar, Bentinho conseguiu fazer a mãe desistir da promessa de torná-lo padre. Foi para São Paulo e formou-se em direito. Depois, voltou para o Rio e casou-se com Capitu. Escobar, por sua vez, casou-se com uma amiga dela, Sancha.

De quem é esse filho?

Os dois casais eram felizes e se tornaram muito amigos. Contudo, Bentinho e Capitu sentiam-se contrariados por não terem filhos. Dois anos mais tarde, nasceu um menino, chamado de Ezequiel. O menino crescia e Bentinho, sempre inseguro e ciumento, via nele a cara de Escobar. A partir de então, a amizade de Escobar por Capitu passou a alimentar as dúvidas de Bentinho.

Escobar morreu afogado e as lágrimas de Capitu pelo morto deixaram Bentinho transtornado: pensou em suicidar-se, matar a esposa e, por fim, a separar-se dela. Mandou-a para a Suíça com o filho, onde ela morreria. Adulto, Ezequiel voltou ao Brasil, mas Bento não conseguia ver nele senão o retrato de Escobar.

Ajustando as contas com o passado

Formado em arqueologia, Ezequiel partiu para o Egito, morrendo em Jerusalém. Solitário e angustiado, Bentinho passou a viver para o passado. Procurava reinterpreta-lo, construindo no Engenho Novo uma casa idêntica à de Matacavalos. Em seguida pôs-se a escrever sua autobiografia, para convencer-se da traição da mulher e para provar ao mundo que não agira mal ao recusar Ezequiel.

Como bem ressalta o crítico literário Ivan Teixeira: "Até hoje, a maioria das pessoas só tem se preocupado em ressaltar a ambiguidade e dissimulação de Capitu, porque isso é o que Bentinho diz dela. Não se pode esquecer, porém, que 'Dom Casmurro' é um retrato de mulher feito pelo marido. Vem daí que aquela a ambiguidade depende da maneira com que o marido a vê. E, além disso, sendo um retrato moral, jamais poderia ser preciso."

Causa e perspectiva

Qual seria a motivação desse retrato? Bentinho precisava dessa justificativa para si mesmo, por não dispor de nenhuma prova concreta contra Capitu, a não ser a suposta semelhança entre seu filho e Escobar. Suposta, pois se trata da versão que o próprio Bentinho dá aos fatos.

Todos os personagens só se tornam conhecidos do leitor pela sua perspectiva. Esse é o grande lance da obra: a escolha certa do foco narrativo. Mais uma vez citando Ivan Teixeira: "Ao inventar um narrador problemático, o romancista descobriu a chave para a densidade psicológica do romance e também para o seu efeito estético".

Grande Sertão: Veredas

Guimarães Rosa e o universalismo filosófico do sertão

Oscar D'Ambrosio*
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
Reprodução
Página dos manuscritos originais de O Grande Sertão: Veredas
Médico e diplomata, o escritor mineiro João Guimarães Rosa (1908 - 1967) é um dos mais importantes exemplos nacionais de autor que consegue ser, ao mesmo tempo, regional e universal. Embora o cenário de seus textos seja geralmente o sertão mineiro, seu domínio vocabular e as questões existenciais que levanta conferem a sua obra uma densidade que atinge leitores de todo o planeta.

Escrito em 1956, "Grande Sertão: Veredas" reúne as principais qualidades do escritor mineiro, principalmente o uso da linguagem popular e regional, muito influenciada pela língua falada. Isso sem contar uma das características do autor: a invenção de palavras e o desenvolvimento dos mais variados tipos de construções sintáticas.

Histórias de jagunços

O narrador é o jagunço Riobaldo, que conta suas aventuras pelo sertão a um ouvinte mais letrado que ele. A imensidão da paisagem cria um contraponto com a pequenez do homem e a sua dificuldade de se relacionar com o entorno e com os outros seres humanos.

Riobaldo, durante três dias, relata a sua história, repleta de episódios de lutas entre bandos rivais de jagunços e as forças repressoras oficiais. Após a morte da mãe, é levado para a fazenda de seu padrinho. Embora comece a estudar, logo aceita o convite para integrar o bando de Zé Bebelo. Combate, assim, o célebre Hermógenes e, posteriormente, deserta, ingressando em outro bando, onde conhece Reinaldo.

Surge entre os dois uma grande amizade. Tornam-se companheiros inseparáveis de luta e Reinaldo revela seu verdadeiro nome, Diadorim. O relacionamento entre os dois tem episódios memoráveis, como o momento em que Riobaldo conhece Otacília, por quem se apaixona.

Diadorim, então, em acalorada discussão, chega inclusive a ameaçá-lo com um punhal. Essa relação ambígua é de grande lirismo, pois o narrador não sabe como lidar com o sentimento de afeto que tem por um homem. Paralelamente, pouco a pouco, Riobaldo ganha importância entre os jagunços, assumindo a liderança do bando.

Deus, diabo e a morte

Em uma das principais cenas do livro, próximo a Veredas-Mortas, nome altamente significativo em seu simbolismo de limite entre a vida e a morte, Riobaldo faz, como o célebre personagem Fausto, um pacto com o diabo. Ele quer vencer os traidores que causaram diversas mortes aos colegas de luta.

A grande revelação do romance ocorre quando Diadorim enfrenta Hermógenes. Ambos morrem em combate e Riobaldo descobre então que o companheiro jagunço era, na verdade, uma mulher, chamada Maria Deodorina da Fé Bettancourt Marins, filha de um célebre líder de jagunços, Joca Ramiro.

Findas as aventuras e a descoberta inesperada, Riobaldo adoece. Ao se recuperar, recebe a notícia da morte de seu padrinho e herda duas fazendas. Aprofunda então uma questão que o acompanhava: teria ele feito mesmo um pacto com o diabo, conseguindo sobreviver a numerosas emboscadas e traições? O compadre Quelemém de Góis responde brilhantemente sua dúvida: "Tem cisma não. Pensa para diante. Comprar ou vender, às vezes, são as ações que são as quase iguais..."

Frases como "o sertão é do tamanho do mundo" e "viver é perigoso" pontuam um romance que, acima de tudo, levanta importantes questões sobre a vida e a relação do homem com Deus, o diabo e a morte. As veredas do ser humano são tratadas com extrema sutileza e, enfocadas numa linguagem ímpar, oferecem densa reflexão sobre as célebres perguntas da filosofia ocidental: De onde viemos? Quem somos? Para onde vamos?

Memórias Póstumas de Brás Cubas

Análise do livro de Machado de Assis

Oscar D'Ambrosio*
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
Divulgação/Lumière
Reginaldo Farioas personificou o sarcástico defunto autor Brás Cubas no filme de 2001
Para o conceituado crítico literário americano Harold Bloom, Machado de Assis (1839-1908) é um dos 100 maiores escritores da literatura de todos os tempos. Tal afirmação dá uma dimensão de como o escritor carioca é um dos poucos autores nacionais a ultrapassar as fronteiras impostas pela língua portuguesa em termos de reconhecimento internacional.

Esse prestígio deve-se, em boa parte, ao resultado estético da sua segunda fase literária, vinculada ao realismo e iniciada justamente com "Memórias Póstumas de Brás Cubas", em 1881. A obra foi seguramente a mais radical experimentação da prosa brasileira até aquele momento.

O tom diferenciador começa na própria escolha do narrador, um defunto, chamado Brás Cubas. Ao rever a sua existência, ironiza sobre a falta de sentido da vida. A história contada é bem menos importante do que os recursos linguísticos apresentados, com um narrador que diz que capítulos podem ser pulados ou lidos fora de ordem.

Mundo interior

Em seus romances ligados ao romantismo Machado não foge às convenções do gênero, embora com menos exageros que os seus contemporâneos. Nas suas criações realistas, porém, a preocupação não está na sociedade brasileira especificamente, mas sim na busca de temáticas universais, que mostrem a fragilidade humana diante das mais variadas situações, como o amor, a vida e a morte.

Ao contrário do romantismo, os personagens e as paisagens não são importantes. O centro das atenções é a maneira de contar a história e a forma como a realidade é vista. O mundo interior dos personagens é trazido para o primeiro plano. Isso ocorre em 145 capítulos curtos, alguns célebres, como o 7o, intitulado "O Delírio".

Brás Cubas conta a sua história a partir da morte, do final para o começo, amargurado por ter passado pela vida com dinheiro, mas sem aquilo que mais desejava: o reconhecimento público. No amor, também havia sido rejeitado. Virgília, presente em seu enterro, o trocara por Lobo Neves, mas depois fora sua amante.

Hipocrisia e ironia

Instaura-se, assim, o tema da hipocrisia, constante na prosa machadiana. Aos 17 anos, por exemplo, Brás conhece Marcela, prostituta espanhola radicada no Rio de Janeiro, a quem enche de presentes com o dinheiro paterno. Indignado com a descoberta de que seu dinheiro estava sendo usado com esse fim, o pai envia o protagonista para estudar na Europa, de onde retorna bacharel. Anos mais tarde, reencontra Marcela, desgastada pelo tempo implacável, dona de uma pequena loja e com o rosto marcado pela varíola.

Infeliz, Brás sonhava alcançar a fama pela invenção de um "emplasto anti-hipocondríaco, destinado a aliviar a nossa melancólica humanidade". Consegue apenas mais um fracasso para a sua coleção de insucessos, ironizados na própria dedicatória do livro: "Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico com saudosa lembrança estas Memórias Póstumas".

No último capítulo, significativamente chamado "Das Negativas", existe um balanço, claramente negativo da passagem pela vida, que termina com a famosa afirmação "Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria". Trata-se de uma afirmação forte, escrita por um irônico narrador, como o próprio Machado, conhecido como o Bruxo de Cosme Velho, pelo seu mágico poder de lidar com as palavras.

Modernismo

Características da linguagem

Thaís Nicoleti de Camargo
Especial para a Folha de S.Paulo
Quem nunca ouviu os versos "Oh! Que saudades que tenho/ da aurora da minha vida,/ da minha infância querida/ que os anos não trazem mais!/ ? Pode-se dizer que pertencem a uma espécie de inventário popular. Chegam a ser mais conhecidos que seu próprio autor, o romântico Casimiro de Abreu.

Bem verdade é que o emprego da expressão "aurora da minha vida" como sinônimo de "infância" hoje assume certo tom jocoso. E o motivo disso é o desgaste que lhe foi imposto pelo reiterado uso. Embora seja uma bela imagem, tornou-se o que chamamos de "chavão" ou "clichê".

A simplicidade e a musicalidade das redondilhas maiores, ao lado da escolha temática, certamente contribuíram para a permanência desses versos em nossa memória coletiva. O outro lado dessa moeda, entretanto, é a falta de impacto que nos provocam hoje, num tempo em que a originalidade é um valor em si.

Um dos caminhos trilhados pela literatura modernista foi o da releitura, muitas vezes paródica, de textos consagrados. Oswald de Andrade, um dos ícones da Semana de 22, escreveu o poema "Meus sete anos", texto que dialoga com o de Casimiro. Diz ele: "Papai vinha de tarde / Da faina de labutar/ Eu esperava na calçada/ Papai era gerente/ Do Banco Popular / Eu aprendia com ele/ Os nomes dos negócios/ Juros hipotecas/ Prazo amortização/ Papai era gerente/ Do Banco Popular/ Mas descontava cheques/ Do guichê do coração". A infância surge dessacralizada -sem a aura de idealização que lhe emprestava Casimiro-, mas, nem por isso, menos marcante. Em Oswald, predomina o ambiente urbano sobre a paisagem bucólica de Casimiro.

Nas escolhas de cada poeta, percebem-se distinções de época: entre os modernistas, prevalece o cenário urbano (associado ao desenvolvimento tecnológico e científico), bem como o tom prosaico da linguagem, que acusa certa consciência crítica (em substituição ao mero devaneio poético). O lirismo instala-se na estrutura do texto, ou seja, independe de frases de efeito.
 
 
 

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